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Full text of "Cantos e satyras"

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Hsrt r<if4S-,3o 



I 



CANTOS E SATYRAS 



BULHÃO PATO 



CANTOS 



SATYRAS 



LISBOA 

EDITORES --BOLLA.ia) A SEKIONO 
3— RUi NOVi DOS MARTTRB8— 3 

1873 



\ 









IWirVAltO COLLEaE LIIRARY 

COUMT OF 8AMTA EULÁLIA 

COILECTIOU 

6IFT OF 

^HH ^ STETWII, Jf. 

MAY 2Q 1924 



ADVERTÊNCIA 



Na primeira parte doeste volume «Cantos» vani 
duas peças já publicadas no «Brinde aos assignan- 
tes do Diário de Noticias» de 1867. Intitulam-se: 
«Adoração» e «José Estevão». 

Na segunda parte «Satjrras» vem «O século en- 
velhece» de C. J. Nunes, meu estimável amigo e 
nosso illustre poeta. Em seguida a estes versos ap- 
parece a minha resposta. 



L.. 



CANTOS 



CANTOS 



A BOBA BO XONTX 



ft J. MTILNft ICIt 



«Qaem tem menloos pequenos 
Por força lhe ha de cantar. 
Quantas vetes canta a mie 
Com Yontade de chorar l» 
GahçIo popuur. 



Sobre os degraus d'ama cruz. 

Que á entrada d'aldeia havia, 

Todas as tardes Sjlvano 

Á sua noiva dizia: 
2 



10 



CANTOS 



a Em yindo a Faschoa, 
Nessa, ermidi^ha — 
Descansa — juro-te 
Que has de ser minha.» 



Dezeseis annos completos 
Inda Rosa os não teria — 
Olhos negros como a noite. 
Mas alegres como o dia! 



Se nma sombra de tristeza 
Naquelle rosto se via, 
Era quando, ao fim da tarde, 
Do noivo se despedia; 



Que a meia encosta do monte 
A mãe de Bosa vivia, 
E a filha, em sendo sol posto, 
A casa se recolhia: 



CAinos 11 



E logo á entrada da porta. 
Que mais tempo nSo havia, 
Besavam Jantas ouvindo 
O toque da Ave-María; 



Depois a mSe, abraçando-a. 
Com muito amor lhe dizia: 
«Só pode valer-te a Vii^m, 
Se te eu faltar algum dia; 



For que teu pae dorme ha muito 
Debaixo da terra fria, 
£ tu não tens neste mundo 
Mais que a minha companhia I» 



Rosa; beijando-a mil vezes. 
Ia a fallar... não podia... 
Ia a &llar-lhe do noivo; 
Mas, de acanhada, tremia. 



12 



^ í* 



CAUTOS 



Fazia mal — que um segredo. 
Seja qual for, se confia 
Ao santo seio da mãe 
Que nos deu á luz do dia I 



II 



Abril para os namorados !••• 
Aves, flores, ceu e mar, 
Tudo se anda a namorar... 
Que farSo elles, coitados I 



Rosa descia do monte 
Mal vinha rompendo a aurora, 
E as alegrias dess'hora 
Tinha-as no peito e na fronte. 



CANTOS 13 



No valle as rosas louçSs 
Já começavam de abriri 
£ ella passava a sorrir 
Áquellas suas irmãs! 



O rouxinol que um gorgeio 
Soltava d'entre o arvoredo. 
Sabia o temo segredo 
Que ella trazia no seio. 



Era sentil-a passar — 
E a sua voz na espessura 
Com mais requebro e doçuia 
Começava a papear ! 



No rouxinol e na úôr^ 
E em tudo o mais onde impera 
Um raio da primavera. 
Existe um raio d'amor! 



U CAUTOS 

Vozes do monte e do vai, 
Do bosque e do mar iimnenso, 
São vozeS; segundo eu penso, 
Que aspiram ao ideal! 



m 



Uma tarde — a viração, 
Posto ser de abril o dia, 
De quando em quando corria 
Quente como no verão. 



Rosa mais cedo voltou, 
E, em vez de ser no cruzeiro, 
Ao pé de um frondoso idmeiro 
O seu amante encontrou. 



CAirros IS 



Por primeira vez^ Jesus ! 
A entrevista dos amantes^ 
Como fôra sempre d^antes; 
NSo foi á sombra da cruz ! 



Davam as rosas agrestes 
Mais brando aroma do seio, 
E as aves no seu goi^io 
Algumas notas celestes... 



Das loucuras amorosas, 
A que nZo foge ninguém, 
Tem culpa, ás vezes, também 
Tanto as aves como as rosas I..< 



Que fogo em cada palavra 
Que os dois amantes proferem! 
Com que delirio se querem!... 
Como aquelle incêndio lavra! 



1 



16 CANTOS 



O seio d'ella, tremente^ 
Palpita n'am paroxismo: 
Acaso treme do abysmo 
Que sob seus pés presente?! 



Que, nos transportes do amor, 
A mulher, se tudo esquecei 
Ao mesmo tempo estremece 
De ventura e de terror! 



Era terror ou ventura 
Que expressava aquelle rosto? 
NSo sei — que, sendo sol posto. 
No valle era noite escura. 



Bosa subiu apressada. 
Mas, quando a encosta subia, 
N8o deu pela Ave-Maria, 
Kem pela noite cerrada! 



GAMrM 17 



ITaqaella tarde^ Jesus 1 
A entrevista dos amantes, 
Como fSra sempre d'antesy 
^NSo foi á sombra da ema! 



IV 



Rosinha vem no outro dia 
Ao vai das rosas louçSs; 
Porém nSo sorri — deseora. 
Ao ver as suas irmZs. 



Os dois amantes encontram-se, 
Mas nSo junto do cruzeiro — 
Na deveza, á mesma hora, 
Debaixo de um certo uLneiro. 



18 CAUTOS 



Tem mais ardor, tem mais fogo 
Os olhos negos de Rosa: 
A luz é que é menos viva. 
Ou, talvez, mais saudosa..» 



Quando ella parte, Sylvano 
Não cessa de a contemplar; 
Ella diz-lhe adeus mil vezes, 
E elle de novo a cantar: 



cEm vindo a Paschoa, 
Fessa ermidinha— 
Descansa — juro-te. 
Que has de ser minha.» 



Rosa precipita os passos. 
Que já desfallece o dia, 
Mas nSo chega nunca a tempo 
Do toque da Ave-Maria! 



CASTOS 19 

E a mSe diz, com mn suspiro: 
«Minha filha, ha quantos 
Que nós não rosamos jmitas 
As nossas Ave-Mariasl...» 



Veio a Paschoa, mas Sylvano 
Ao promettido faltou! 
Rosa, chorando comsigo, 
Nem uma queixa soltou. 



Correram mezes e mezes, 
E ella em secreto a chorar !••• 
Assim como occulta as lagrimas 
Podesse o mais occultar! 



20 CAiraog 



Mone-lhe a mSe de vergonha! 
O amante foge-Ihe um dia!... 
A Bosa desamparada 
Valei-lhe, ó Virgem Maria! 



Nunca mais voltou á aldeia. 
Se alguém na encosta passava 
Ouvia a Rosa do Monte, 
Que ao pé de um berço cantava : 



tQuem tem meninos pequenos 
Por força lhe ha de cantar. 
Quantas vezes canta a mãe 
Com vontade de chorar!» 

Desembro, 17, 1870. 



CàMtOé ti 



FLOR SSX O SOL 



Tomei a ver-te, e nSo tinha 
O teu correcto semblante 
Um nSo sei qa8 de tocante 
Que lhe notei tanta vez ! 
Era bello; sim, mas bello 
Sem luz, sem graça e sem Tida 
D'uma expressSo abatida, 
D'uma glacial pallidez. 



22 CANTOS 

É que a luz, a graça, a vida 
De que o viste illuminado 
Quando eu sonhava a teu lado, 
Nunca mais lhe voltará. 
Nunca mais! A flor do campo, 
Seja lyrio ou seja rosa. 
Não perde co'a noite umbrosa 
A graça que o sol lhe dá? ! 



Esqueceste, consultando 
Teu espelho predilecto, 
Que vinha do meu aflfecto 
Aquelle vivo esplendor ! 
Ufana por ser amada, 
Perdeu-te a cega vaidade !••• 
Hoje inda és flor, na verdade. .. 
Mas, sem o sol, que é a flor? 



OitabFO, 9, 1870. 



I 



^mm,»^ta0tm 



CAUTOS 23 



ADESSO E SEMPREI 



€aBçã« 



Luz e sombra, vida e mortei 
Hoje e sempre eu hei de amar-te — 
Na ventura ou na má sorte. 
Longe ou perto, em toda a parte! 



Foi no mar que me disseste, 
Num olhar, que me adoravas: 
Era á tarde — as ondas bravas 
Sacudia o vento agreste. 



24 CAUTOS 

I 

Veio a noite e a recrescer 
Cada vez mais forte o vento: 
Nem sequer por um momento 
Ante o mar te vi tremer! 



Só depois^ quando em delírio 
Te apertei de encontro ao seio, 
De paixãO; não de receio. 
Desmaiaste como um lyrío! 



Veio a lua e com a lua 
Aquietou-se o mar undoso. 
Como a luz do astro saudoso 
Inundava a face tua ! 



Teu rival na pallidez, 
No sorriso enamorado*. • 
NSo, teu gesto apaixonado 
Mais tocante era talvez! 



CAITM 25 



Brisa larga e de feíçSo — 
Ceu azul — o mar ufiinoi 
E o navio a todo o panno 
A seguir como um falcZo j 



Como nós, com tauto ardor^ 
Num abraço tSo estreito. 
Face a face e peito a peito. 
Oh ! ninguém morreu d^amor ! 



Frouxa luz da madrugada 
Despontava no horisonte: 
Terra á vista! — Ergueste a fronte 
Toda em lagrimas banhada ! 



Eu seguia, tu ficavas: 
Pobre amigai nesse instante 
Vi-te a morte no semblante, 
E no olhar que em mim fitavas ! 



26 (unot 

NSo abriste os lábios tem 
Num adeus de despedida — 
Que o alentOi a força, a vida 
Te faltou n'aquelle adeus! 



Luz e sombra, vida e morte,. 
Hoje e sempre eu hei de amar-te. 
Na ventura ou na má sorte, 
Longe ou perto — em toda a parte! 



Oitiibro-1870. 



_. f' r 



CAlffOf tf 



OORAÇlO VXNOXDO 



« És fdiz, qae tens poder 
Com a força da rasSo 
De vencer o coraçSo ! 
Eu nunca o pude vencer! 



Teu crime foi atear 
O incêndio^ que tu sabias 
Que nunca jamais podias 
Completamente apagar! 



28 • CANTOS 



Que o fogo que eu sinto em mim 
É lento; porém eterno, 
E o fogo voraz do inferno 
Só pode queimar assim! 



Alma ardente de mulher, 
Quando o transporte é divino, 
Confia tudo ao destino, 
E afironta o próprio dever. 



Quem sabe se, por vaidade, 
Medindo este amor immenso, 
Dizes: «Delira — que eu penso.» 
Oh! requintada maldade!! 



Mas nSo te ufanes... Se um dia 

Me inflamaste o coração, 

E que em.ti via a paixão, 

Não era a rasão que eu via! 
Dezembro, 20, 1870. 



CAUTOS '29 



A HiE £ O FILHO KORTO 



A pobre da mãe cuidava 
Que o fiUúnlio inda viviai 
£ nos braços o apertava I 
O coração que batia 
Era o d^ella, e não do filho 
Que já do sonmo da morte 
Havia instantes dormia. 



N cÀmos ' 

Olhei; e fiquei absorto 
Na ddr d'aquella nmllier 
Que tinha, sem o saber, 
Nos braços o filho morto! 

Besava, e do ftmdò d'ahna! 
Em quanto a infeliz resava 
O pobre infante esfriava! 

Quando gelado o sentira, 
O grito que ella soltou. 
Meu Deus! — que d6r expressou! 

Pensei então: — A mulher, 

Para alcançar o perdSo 

De quantos crimes tiver. 

Na fervorosa oraçSo 

Baata que possa dizer: 

«Tive um filhinho. Senhor, 

E o filho do meu amor 

Nos braços o vi morrer!!». 
Junho— 1871. 



OASIOt 



SI 



BTDIICA ICAIBt 



••• 



A ••• 



Nunca mais !— Quem tal diríal 
Tu nunca p^ aift has de amar* 
Que firucto eu flor ha de dar 
O tronco a que o fogo^ um 
A folha e ^eiva abrasoUi 
Se a vida se lhe acabou? 



32 CAUTOS 

Amarl... nem sonhar, talvez! 
Embora sejas mulher 
NSo has de tomar a ter — 
Que se tem só uma vez — 
A vida, a morte, a ventura 
D'aquelfa nossa loucura! 

Lembras-te bem? o horisonte, 
A hora do entardecer, 
Começou a escurecer. 
O norte agudo do monte 
Vinha caindo ás lu&das, 
E nisto as ondas gicadas 
Já começando a espumar, 
E a recrescer empinando-se, 
Até que emfim sobre a costa, 
Rugindo mais ao curvarem-se, 
Na costa vinham quebrar!— 
Que noite, que ceu, que mar!! 

. E nós nessa solidBo!... 
' Com que insolente ufiuiia 



CAUTOS 33 

A toa fironte se erguia! 
Quando ao clarão dos relâmpagos 
Se rasgava a escurid20| 
Como em tua íaee eu yia 
A pallidez da paixSo! — 
Por que o teu sangue agitado 
Confluia ao coraçSo, 
Que batia alvoroçado. 
Que no peito nSo cabia... 
Nem com tanto amor podiat 



KSo podia: e nos meus braços, 

Quebrada, desfallecida, 

Te veio a aurora encontrar — 

Serenada a tempestade. 

Mudo o yeato e quedo o mar! 

Quem fundiu assim a vida 

Num só beijo — quem amou 

Com tal delírio e logrou 

Num momento a eternidade. .. 

Pensa e dize-me a verdade: 

— Inda outra vez pode amar?! 
AJbríl, 26, 1871. 



^ i 



Qános 



A8 OLEBOUB OA MABIQUIIIHIB 



Tai8 as olheiras^ Maria, 
Tio pisadas e tio fondas!... 
Serio i«flezo de magoas 
OocnltaSy porém profundas? 



A roxa côr d^essas palpeb 
Parece que o denuncia; 
Mas como — se de teus olhos 
Está saltando a al€|;ría!... 



36 CAUTOS 

E quando uma leve sombra 
Os carrega alguma vez, 
Não é de negra tristeza; 
E de mnda languidez ! 



Já sei por que tão pisadas 
Tens as olheiras — Maria! 
E que tu sonhas de noite 
No que %i pencas de dia! 

Portimão— Agosto, 12, 1871. 



I 



CAinros 97 



TRABALHO E OARIDADE 



RECITADA NO THEATRO DE PORTQlXO 



Caminhemos com fé em prol da humanidade, 
A bandeira da paz ao vento desfraldada, 
Na fraternal bandeira a legenda sagrada, 
A historia do porvir :-Traballio e Caridade! 



Deixa um rasto de sangue a conquista da guerra : 
A conquista da paz deixa um rasto de luz ! 
Lidar — que a santa lida^ ao cabo, nos conduz 
A quanto ha justo e bom e grande sobre a terra! 



38 CAROS 



^Depois de labutar no campo e na ojfficina, 
A consciência tradqnilla, alegre o coraçSo, 
Aqui neste recinto encontrareb entSo 
Uma escola também que as almas ílluminal 



O génio creador eleva-se da terra — 
Mede espaços sem fim num relance do olbarl 
Sobrebumano poder que parece rasgar 
O véo que nos esconde o que o futuro encerrai 



O theatro reflecte em espelho leal 
As humanas paixSes — castiga-lhe os defeitos. 
Recebei esta luz — abri os vossos peitos 
Ao bello que é o bom — e tendes o ideal I 

Avante, avante pois em prol da humanidade: 
A bandeira da paz ao vento desfraldada, 
Na fraternal bandeira a legenda sagrada, 
A historia do porvir — Trabalho e Caridade! 

Porti]iiio-*Ag06tOf 1671. 



CAMM 



O Bm E o BAPATSXBO 



«Sn para pobre o creei, 
Tu rico fiuel o <iiiei;ef. 
Agora ahi o tens morto: 
Dá-Jhe a Tida, ae poderes.» 
GahçIo popular. 



Era uma vez... quando |bi 
Eu beimt ao certo nSo sei; 
Porém sei que era uma ves 
tJm sapateiro e um rei. • 



40 CANTOS 



Olha, Helena, o sapateiro 
Era um pobre remendão. 
Casado e com quatro filhos, 
Que via quasi sem pão« 



No recanto de uma escada 
Noite e dia trabiilhava, 
E porallivio de magoas 
Esta cantiga cantava: 



«Ribeiros correm aos rios, 
Os rios correm ao mar : 
SSo tudo leis doeste mundo^ 
Que ninguém pode atalhar. 
Quem nascQ para ser pobre 
NSo lhe v^ o trabalhar!» 






CàWtW it 



o rei tinha montes cl'oiio, 
E jóias em profàsSoi 
E tinha mais que oiro e jóias, 
Pois tinha um bom coraçlol 



1 



Em vendo nm pobre 
Sem que o soubesse ninguém-^ 
Que assim quer Deus que se fiiça, 
E assim o faz tua mSe. 



Por muitas vezes sala 
Sem criados de libré, 
E sósinho, e disfiurçado 
Corria a cidade a pé. . 



Na rua do sapateiro 
Passa o rei e ouve cantar: 
ff Quem nasce para ser pobre 
NSo lhe vai o trabaUmr.i 

4 



tt 0AIIT08 

Isto uma ves e mais d^uina^ 
dom voz que o pranto cortava, 
E o rei oondoeu-se d'aliiia 
Do velho que assim cantava. 



Chegando a palácio ordena 
Que lhe arraaje o seu copeiío 
Um bolo, do melhorio, 
E que o mande ao Bapateiro. 



No melhorio do bolo 
É que estava o delicado. 
Pois era de peças d'oi]x> 
Todo, todo recheiado. 



Os pequenos quando o vkam, 
Helena, imagina entS0| 
Os olhos que lhe deitaram, 
WleB que nem tínhmn pSoI 



CiiinoB 4S 



Mas o pae a um seu oompadfe. 
Que áfl vezes o «ocoonriai 
Foi dar de presente o boloi 
Sem ver o qae n'elle 



No dia seguinte o rei 
Toma de novo a passar, 
E com grande espanto sen 
Ouve inda o velho a cantar: 



«Ribeiros correm aos rioS| 
Os rios correm ao mar. 
Quem nasce para ser pobre 
NSo lhe vai o trabalhar*» 



Mandado chamar a paladoí 
E agastado entBo o rei 
Lhe dis: Que é das peças d'oiro 
Que no bolo te mandei? 



44 CAUTOS 

O pobre do sapateiro 
Tremendo conta a verdade: 
Âbalou-se novamente 
O rei na sua piedade. 



— Toma esta saeca, lhe diz, 
Ao erário vae d'aqui 
Enchel-a de peças d'oiro, 
Que as peças s3o para ti. 



Ó Helena, suppSe tu 
Qual foi a sua alegria, 
Vendo que um thesoiro aos filhos 
N^aquella saeca traria! 



Encheu-a a mais nSo poder, ' 
Pol-a ás costas e partiu; 
Deu quatro passos... nem tantos, 
E nisto morto caiu! 



GAinof 45 

Na mSo direita lhe acharam 
Um papel onde 8e lia 
Esta sentença, que o povo 
Ser Bobrehamana dizia: 



«Eu para pobre o criei, 
Tn rico fazel-o queres: 
Agora alli 9 tens morto. 
Dá-lhe a vida, se poderes. > 

Dezembro, 12, IStO. 



CAROt O 



IDEIAS VAGAS 



Hoje; mais do que nanca, a humanidade afflicta 
Pira yendo o presente e no porvir medita! 
NSo trepida o talento á voz de demolir; 
Mas treme ao cogitar como ha de oonstruif I 
Alcançar o ideal o pensador procura: 
Mas acaso o ideal é/lado á creatura? 
Quando venha o saber que a todos illumina 
Deixará de existir a força que domina? 
O mais forte ao mais fraco emfím nSo imporá 



L 



48 CANTOS 

Esse estranho poder que occulta mão lhe dá? 
Befieiando as paixSes, o braço da equidade 
Logrará conseguir a máxima egualdade? 
Levará quem tem vista o cego pela mão. 
Partindo ^ual com elle o datemal quinhSo? 
Se tal dever impSe o amor da caridade^ 
Podem leis doeste mundo impol-o á humanidade? 
Em mil annos nSo faz o espirito mediano 
O que o génio fará ao cabo de um só anno: 
EntSo, na sociedade, o espirito vulgar 
Há de ter como o génio jdentico legar? 
A gloria (jpe illumina a fronte do inspirado^ 
As palmas que ceifou, o applauso consummado, 
Tudo isto que será? — o prenúo, a distincçSo, 
Que ufana lhe tributa a voz da multidSo ! 

Acima do vulgar ergueu-se alguém um dia: 
Pois bem, o que se ergueu creou a jerarchia* 

Fdrtímio, agosto, 1871. 






càwtoê ' 49 



▲ PERDA DE AIiHAXA 



ttce prtflielr* ' 



El-Rei moiro passeava 
Na cidade de Granada; 
Da porta Elvira voltava 
A Bivarambla chamada. 

Ai! de mi Alhama! 



* Vertido do hespanhol e publicado no meu primeiro voia- 
me de versos, ediçio esgotada desde 1S52. 



- — 



um* ' ■» ••• • ' 



80 CAUTOS 

Dizem-lhe as cartas chegadas, 
Que sem Alhama ficara; 
Ao fogo as luçou rasgadas, 
E o mensageiro matara. 
Ali éU — • 



De uma mula descavalga, 
£ num cavallo partindo; 
Veloz para Alhambra galga 
Pelo Zacatim subindo. 
Ai! de — 



Assim que a Alhambra chçgant, 
Dar signal ás suas gentes 
Nos anafis ordenara, 
E nos clarins estridentes. 
Alt de — 



-^M*-.»... "K^ III m\ __ ^ 



CAUTOS 51 



E que 08 tambores rafassem 
A rebate na esplanada, 
Para que os sens o escutassem^ 
Os da Vega^ e de Granada. 
Ai! de — 



Os moiros que o som ouviram, 
Qae chama o sangrento Marte, 
Em batalha remiiram, 
Correndo de toda a parte. 
Ai! de — 



Um moiro assim falia a El-Rei' 
Um já de idade avançada; 
— Porque nos chamais? dizei. 
Porque foi esta chamada? 
Ai! de — 



i 



52 CANTOf 

* A saber ides^ amigos, 
Uma nova desgraçada, 
Que por cluistSos inimigos 
Nos foi Alhama tomada. 
Ai! de — 



 isto disse um Alfaqui . 
De bajrba crescida e. alva: 
— Rei| bem se te emprega assi| 
Bom Rei, bem se te emproava* 
Alt de — 



Os Benserragens mataste 
Que eram a flor de Oranada, 
Os tomadiços tomaste 
De Córdova a respeitada. 
Ail de — 



Qàjnoê 5S 



Por isso, Rei| merecias 
Que a pena fosse dobrada: 
Perder o reino devias, 
£ perder também Granada. 
Aií de — 



Que se as leis se nSo respeitam, 
Perder tudo seja lei: 
Granada e reino se percfun, 
E que tu te percas — Bei. 
Ai! de — 



Dos olhos lhe scintilava 
Fogo ao Rei quando o escutou, 
£ a quem de leis lhe fallava 
De leis também lhe fállou. 
Ail de — 



54 CAUTOS 

As leis... agora sabei 
Q^e um Bei tem-n'as a seu grado 
Isto disse o moiro Bei 
Pela raiva suffocado. 



n^manee ■esandto 



— «Moiro alcaide, alcaide moirO| 
El-Bei te manda prender^ 
Porque tu com tal desdoiro ^ 
Deixaste Alhama perder. • 
Ai! de — 



<E deoe{Mir-te a cabeça, 
£ na Alhambra ser deixada; 
Porque a outros nSo esqueça 
A pena que te foi dada; 
Ali dê — 



-ri ba >.■- ^ L ■ * -^^^^F^M^r-^r^r^^ia» «fc ■ -^ ^«ip i , . «■ ^r- ■ 



CâiROS 55 



cPois que deixaste perder 
Cidade de tal valia.» 
Vae-Sie o alcaide responder. 
Deste modo lhes diriíi: 
Alt de — ' 



— Cavalldros, ide a El-Bei^ 
VÓS| que goreniaes Granadai 
Da miiilia partOi e diaei 
Que eu, — qtte nlo lhe devo nada» 



Ás bodas fíii a Antequera, 
Onde minha irmS casou, 
Que o fogo as bodas ardera, 
E mais quem lá me chamou* 
Ait de — 



56 CAUTOS 

Licença El-Rei m'a deixara. 
De certo a n&o tomei eu. 
Por quimie dias rogara, 
Por três semanas m'a deu. 
Ai! de — 



Perora uma terra EI-Rei, 
Mais valor tem honra e fama: 
E difamado eu fiquei 
Co'a &tal perda de Âlhama. 
Ai! de — 



Perdi filhos.. • mulher bella! 
Ai ! também me foi roubada 
A minha filha donzella, 
A linda flor de Granada ! 
Ai! de — 



1.'. 'F'* 



CAUTOS 57 

-É quem lâ m'a tem eacn^va, 
Marquez de Cadiz chamado: 
Cem dobras por ella eu dava. 
Mas nenhum valor lhe ha dado I 
AH cie— 



— A nova que me ch^;ara| 
Foi que por nome fie chama, 
Des que christã se tomara. 
Dona Maria de Alhama. 
Aií íZô— 



— O nome que tinha em moira 
Era Fátima, chamada. 
Dizendo isto, sem demora, 
O levaram a Granada: 
Ai! de — 

5 



^ I 



cautoii 59 



EFITAPEIO 



A • •• 



Filha, esposa exemplar, á sombra do cipreste 
Teu corpo dorme em paz : tua alma, nas alturas, 
Sespira junto a Deus as immortaes venturas... 
Mensageira do ceu de novo ao ceu volveste ! 

Janeiro, t6, 1872. 



CAUTOS 61 



ADORAÇiOI... 



Ao ver-te, minh'alma em extasia 
De etherea luz se illumina: 
Suspensa, imagem divina! 
No encanto do teu olhar!... 
Mas, ah! como passam rápidas 
Essas horas de delirio ! 
Como redobra o martyrio 
Quando tomo a despertar! 



62 CANTOS 

Semelhante ao mar indómito, 
Meu sangue se agita em ondas; 
Mas tu não vês^ tu não sondas 
O seio ao revolto mar!... 
Se o visses, talvez, no animo 
Sentindo proftindo abalo, 
Procurasses applacal-o 
Com a luz de um teu olhar! 



Cingida de brilho esplendido, 
Caminha», erguendo o collo, 
Sem ver que sobre este solo 
De rastos te sigo em vSo ! 
E quando teus lábios timidos 
Me dizem uma palavra, 
Mais voraz o incêndio lavra 
Convertendo-se em vulcSo! 



CAUTOS 63 

Como azul da inmiensa abobeda, 
Quando abril o prado inflora, 
Teus olhos brilham agora^ 
Animados pelo amor: 
Venturoso, teu espirítOi 
Da terra se eleva extreme. 
Em quanto mính'alma geme 
Em lances de immensa dori 



Hontem, quando melancólico 
Espirava o sol na vaga, 
Sentada na estéril plaga 
Miravas o mar e o sol. 
Inclinaste a fix>nte mórbida, 
Qual no prado enamorada. 
Se inclina a rosa encantada 
Escutando o rouxinol! 



64 CANTOS 

Depois desprendeste languida 
A voz da bocca celeste, 
E sorrindo me estendeste 
A nivia e graciosa mão. 
Julguei ver-te á flor das pálpebras 
Uma lagrima sumida, 
Então senti toda a vida 
Parar-me no coraçSo I 



Bem sei que jamais, ó idolo, 
Por mim palpitou teu seio: 
Bem sei que este devaneio 
A perdição me conduz! 
Embora, encaro o patíbulo. 
Que a tua mão me prepara, 
Impassivel, como encara 
O martyr morrer na cruzl 



186... 



CAUTOS 6b 



NO ÁLBUM DE M.** FRIOOI BARALDI 



Vaes em breve partir e receber de novo 
As palmas que ao talento offerta a humanidade: 
Quantas flores terás!... porém uma saudade 
Só t'a pode offertar a voz do nosso povo ! 

Março 29, 1872. 




MÉMriAi 



GAVTOS 



67 



CAPRICHOS DAS FLORKS 



Procura a sombra a violeta, 
A rosa procura o sol: 
Uma enamora o poeta, 
Outra adora o rouxinol. 



Ninguém dirá com certeza 
Qual d'ella8 é mais formosa. 
Se a violeta co'a tristeza, 
Se com a alegria a rosa! 



68 



CANTOS 



Ambas podiam amar 
 aurora^ o sol que rompeu; 
Mas uma não quer deixar 
As sombras em que nasceu. 



Mais feliz^ ao pôr do sol; 
E a rosa ou a violeta — 
Uma ouvindo o rouxinol, 
Outra, em segredo, o poeta!?, 



ÂgostOi 9, 1872. 



GAirrofi 69 



Á NOTÁVEL £SOR£PTORA D. aUIOXAR 

TORRESlO 



Ao ver-te no sorriso o vivo sentimento^ 
E no limpido olhar a luz da intelligencia. 
Do fímdo da minh'alma imploro á Providencia 
Que não sintas jamais o frio desalento ! 



Na quadra juvenil também sonhei, um dia, 
Que no mundo o enthusiasmo era um celeste dom: 
Agora em vão procuro os echos da poesia !••• 
Nem já lhe sinto ao longe um ftigitivo som! 

AbrU 2, 1872. 



im 



mÊÊÊm 



k^-wM^MtBM^^HfaaiattítaM^Hk^ 



CANTOS 71 



ESTRELXA OABENTB 



A liiz da estrella cadente 
Dispareoe num momento; 
Mas o noBso pensamento 
Fica depois a scismar 
No clarão resplandecente 
Que no ceu vira passar l... 



72 CAUTOS 

Assim me succede a mim 
Com a luz do teu olhar: 
Brilha e foge num momento!... 
Mas fica-me o pensamento, 
Em horas que não tem fim. 
Num enleio a procurar ... 
A ver quando volta, emfim, 
Esse clarão fugitivo, 
Porém tão grato, tão vivo. 
Tão puro e tão resplandente, 
Como o da estrella cadente! 



Voltar?... não pode voltar. 
E, ó Deus, que loucura! amar 
Estrella tão inconstante, 
Que nos foge num instante !... 



CAKT08 73 

Loucura?!... embora. Eu quizera — 
Fatal aUucinaçSo! — 
Quanto ha na vida real 
Trocar por esta illusão^ 
Este sonho, esta chimera, 
Este nada... este ideal! 

Agosto 22, 1870. 



— ^ 



•««rfMkMMMMiMl 



7* 



A K. J. DE L. 



Em teo límpido olhar fulgem darSes da aurora. 
Frasa a Deas^ prasa a Deus que sempre^ como agora, 
Tenhas a crença, a fé, a luz no coraçSo. 
Klo te roube o futuro a minima illusSo; 
Mas — destino cruel imposto á humanidade! — 
NSo sSq somente os maus — os anjos de bondade 
HSo de pisar também aspérrimos caminhos I 
Teve Christo o flagello, a c'roa dos espinhos. 



76 



GAMPOft 



A lançada no lado^ a nK)rte sobre a cruz ! 

Por que? por vir ao mundo e dar ao mundo a luzf 

■ 

Eu conheço a tua alma^ e quem teus olhos vê. 
Pela primeira vez, logo em tua alma lê. 
Nem busques occultal-a — occulta apparecia: 
Esconde-se a violeta, o aroma a denuncia. 
Eu conheço a tua alma, e prasa a Deus, senhora^ 
Que tenhas no futuro as illusSes d'agora! 



Julho de 1872. 



A DOENTE E OS MÉDICOS 



=B 



CAUTOS 



n 



CONSELHOS A UMA DOENlTE 



Tu queres tomal-o a ver 
Allucin^doy perdido. 
De novo a teus pés rendido... 
, Pois faze o que te eu disser. 



Retrae dos olhos as lagrimas, 
Onde elle vê tanto amor; 
Como as lagrimas são pérolas 
Guardal-as sempre é melhor! 



^•ftn 



Com mil precauçUea aubtía 
Domina o bater do seio, 
O corar, o vago enleio, 
E convenccHD que és feliz. 



Se o teu apurado espirito 
O faz persuadir de tal — 
ITaquella v^dade i 
Que punlialada fatal! 



Que o homem como a molher, 
Em sendo desvanecido, 
Implora humilde e rendido 
Quando nSo pôde vencer! 



Recobre teu roBto pallido 
Outra vez a antiga côr, 
E guarde teu seio timido 
Ob thesouros d' esse amor! 



CAUTOS 81 



Que elle ha de vir^ deixa estar. 
Oh! que ha de vir — sei-o eu — 
Com a paixão resgatar 
O que a vaidade perdeu!! 



Novembro, 24, 1871. 



GASTOS 83 



PERDOA-LHE I 



Eu nSo te disse?... bem vês, 
Bem vês como está reodidoí 
Humilde, escravo a teas pés, 
O grande desvanecido! 



Oh! que nimca imaginei 
Que tu — só n'uma liçSo — 
Chegasses á perfeição, 
Que hontem á noite notei! 



Co'a tua finura Immensa, 
Nilo exprimia ninguém, 
Nos ollios a indifi^rença, 
E nos labioB o desdém! 



Eu cheguei a duvidar 
Se o que tu hontem &zia8 
Era, emfim, o que sentias^ 
Ou se era representar! 



Imagina que será, 
Quando eu próprio tiye medo, 
O que elle, oh Deua! sentirá, 
N3o sabendo do segredo! 



Fascinadora infantil, 
Porque armei eu — na yírdade— 
Dos espinhos da maldade 
Ab rosas do teu abril?! 



CAUTOS 85 



Creança arrebatadora, 
Depois de vêr-te pensei— 
E quasi que tremo agora 
Dos conselhos que te dei ! 



Bulhão Pato 
Dezembro, 2, 1871. 



"-=■=**,- '— • — V s »s^- i kàt^ ,'aus "f-^ "-i i 



CAMTOB 87 



A BULHIO pato 



Doutor, dê-me esses conselhos 
que a gente faaem feliz: 
peço-lhé, e peço de joelhos, 
ouça a enferma, o que lhe diz. 



Elle — sabe? — elle anda agora 
-tSo differente!... & Deus meu! 
quando o comparo ao d'oatr'ora 
parece o retrato seu! 



Elle olha ás vezes — sim, olha— 
mas, d'aiite3 níto era, assim! 
Por mais bem que lh'o acolha 
seu olhar nJío pára em mim. 



Não pára nunca ! tem medo 
de que os meus olhos, ó Deus! 
lhe arranquem d'alraa o segredo... 
e foge-me então c'o3 seus! 



E se OB demora um momento, 
eu bem sinto, inda é peior ; 
que o olhar do pensamento 
vae longe, seja onde for. 



Mas onde vae? Doutor, diga, 
onde vae aquelle olhar, 
que de medo que lh'o siga 
passa por mim sem parar? 



GAMTO0 S9 • 

Anda a modo triste ! abstracto ! 
sempre a seismar!... mas em quê? 
Em que scísma aquelle ingrato, 

1 

que nem quando olha me vê?! 



Choro, choro, e nZo me alegra 
uma esperança sequer 
da Tontura... Ai! como é negra 
a hora do anoitecer ! 



Já tenho os olhos vermelhos — 
tanta lagrima eu chorei ! 
Doutor, depressa os conselhos.. • 
Que hei de eu fazer? eu não sei... 

Dezembro 26, 1871. 



F. Galdeulí 



K-^';i 



CAUTOS 91 



Á lONHA SYHPATHIOA DOENTE 



É já tarde!... o incêndio lavra: 
Ninguém lhe pode ter mSo. 
Não é capricho^ é paixão. .. 
É morte — n'iuna palavra! 



Em taes casos a sciencia 
Não tem recurso nenhum. 
Bemedio... se achar a%um, 
Ha de ser na Providencia 1 



9t CAUTOS 

Que o ciúme só tem cura 
Applicando, e logo, logo, 
O cautério, o ferro em fogo 
Em cima da mordedura. 

«Elle ofFendeu-me! pois bem- 

Já se me esquiva, já foge 

Não amanha, porém hoje, 
Faço-lhe o mesmo Cambem!» 

Mas o veneno traidor 
Deixa influir de tal sorte, 
E vem-me, ás portas da morte, 
Dizer: «Salve-me, doutor!!» 



Ha um meio, um palliativo: 
Procurar um confidente. 
Este remédio innocente 
Ás vezes é decisivo! . 



Lance mão d^elle. O doutor 
Não tem recurso efficaz; 
E o que o medico não faz 
Talvez faca o confessor! 



^ 



CAKTOS 93 



Bulhão Pato 



Janeiro 12, 1872. 



'•bv 



GAirros 95 



Á DOENTE DE BULEIO PATO 



N8o. tomes, pobre innoeente, 
Os conselhos do doutor. 
Tisana para o amor 
É o próprio amor somente. 



Confidencias?!... Esta é boal 
Confidencia é a mSo do gato 
Com que Esculápio se emproa 
Para apanhar o seu rato. 



96 



GABT08 



Cae-lhe aos pés... confessa... chora; 
E tu Terás com que ardor 
O santinho confessor... . 
Tuas lagrimas devora ! 



E, cumprida a penitencia^ 
Dir-te-ha o padre audaz: 
— €Minha Jilhay é ter pa^ciencia; 
tPagiie o mal que aos outros faz.'^ 



Nada^ nãol Amor... ás claras! 
Esse, sim; cura de vez. 
O mais é tudo entremez, 
Gaiola cheia de araras. 



Confissão cheira à peccado ! 
Não sendo peccado o amax 
Com que fim esse endiabrado 
Quer que te vás confessar?! 



CAUTOS 

Deixa-o lá! Facultativos 
Não faltam p'ra tal moléstia^ 
Animais tu co^uma réstia 
Do sol de teus olhos vivos ! 



f7 



E entre tantos qne animes, 
Encontrarás — eu t'o juro, ' 
Quem por seus dotes sublimes 
Um ceu te dê no futuro. 



F. Palha 



JaoQro 13, 1872. 



CARTOS 99 



A MINHA INGRATA DOENTE 



Já vejo o meu triste fim 
ITesta renhida batalha !••• 
D'um lado o Francisco Palha^ 
E tu d^outro contra mim ! 



EUe tem recursos, tem!.., 
Possue o teu conselheiro 
As pompas do curandeiro 
E graça como ninguém! 



100 CANTOS 

Os versos ssto tão bonitos!... 
Mas nSo té fies, por Deus, 
N'aquelles conselhos seus 
Que sao conselhos malditos! 



Com rosto grave e serôno 
De Santo Christo Allemão, 
Esse grande maganão 
Foi toda a vida um veneno ! 



«Amor ás claras!...» que horror!!... 
Já vês que não fallou serio: 
Quando se acaba o mjsterio 
Acaba o culto do amor! 



Herege de profissão, 
Vendo-te a morte imminente, 
Inda quer — o impenitente — 
Que morras sem confissão! 



CAUTOS 101 



E tu a dar-lhe os améns. 
Só pensando, em taes extremos, 
Nos bens que no mundo temos 
E não em mais altos bens ! 



Com tal enferma e doutor 
Protesto, juro, e rejuro, 
Que nunca mais no Aituro 
Receito seja o que for! 

Janeiro 15, 72. 



i 






A F. PALHA 



Agora monp de oertoL.. 
dil-o o doutor^ e depois... 
fazem-me jonta^ são dois 1... 
a morte deve estar perto. 



Este agora & d'outra escolai 
mas a falia folgasã 
do sectário d'Hahnemaim 
ao menos inda consola. 



GAMTOS 103 



104 CAUTOS 



— Mal d^amor, amor o cura! 
mas repare bem, doutor, 
eu nSlo me queixo d^amor; 
quem se queixa da ventura?! 



U;ii quadro é o mundo, da vida 
copia apenas muda, inerte; 
quem faz que a vida desperte 
do lethargo immenso erguida? 



O amor, o caro martyrio, 
dil-p á lua o rouxinol, 
a flor ao raio de sol 
o orvalho á folha do lyrio. 



Dil'0 a estrella ao finuamento : 
dil-o aos ares a andorinha: 
a rola á balsa onde aninha; 
dizem-no as nuvens ao vento. 



CANTOS 106 



E eu amo muito, mas oreio 
que ninguém d'amor se queixe; 
receio que dh me deixe 
e mata-me este receio. 



Tenho ciúmes, nSo minto, 
quando estamos ambos sós 
anda um phantaama entre nós 
que eu não vejo, mas que sinto I 



Um vulto vago, cambiante, 
transparente para mim, 
que atrayez d'elle inda assim 
sei fitar o meu amante. 



Para elle é difibrente; 

de seus olhos na insistência 

perde o vulto a transparência 

vendo elle o vulto somente. 
8 



106 GANT06 



Todo O mal que me coneome 
é de ciúme e nâo d^amor, 
receite pois, mas doutor 
olhe lá não troque o nome. 



Fernando Caldeira. 



Lisboa, 15 de janeiro de 1872. 



CAirroB 107 



A BULHÃO PATO ^ 



Acudindo a quem o chama 
Por que soffre o mal d'amor 
Nfto só augmentou a fama, 
Ganhou o grau de doutor. 



* Estes versos são d'uina senhora. Não pude conseguir que os 
firmasse com o seu nome. 

Occulta-se na sombra este delicado espirito. 

Esposa e mãe dedicadíssima, nas lioras de ocio^ cultiva as le- 
tras com finura de gosto, bem rara entre nós. 

Renovando os meus agradecimentos pelos seus graciosos ver- 
sos— beijo-lbe as mãos com profundo respeito e sincera estima. 



106 CANTOS 



Mas quando os seus versos vi. 
Foi tal o espanto meu^ 
Que duvidei se era seu 
Este conselho que li : 



Elle offendeu-me, pois bem: 
Já 86 Tfl esquiva... já foge... 
Não amanhã porém, hoje 
FaçO'lhe o mesmo também. 



Se a mulher que é dedicada. 
Sente paixão verdadeira; 
Passa até a vida inteira 
Amando sem ser amada. 



mm 



CANTOS 109 



Deixa d^ amar quando qaer 
Quem ama com tanto amor? 
Ora diga- me... Dontor, 
Que idéa faz da mulher? 



Julgue-a lá con^o entender, 
NSo lhe aconselhe a vingança, 
Dê-lhe o bálsamo da esperança, 
Que é calmante no sofirer. 



Se julga o caso perdido, 
Use da condescendência 
De chamar á conferencia 
Algum collega entendido* 



É caso serio, doutor, 
NSo receite de chalaça. 
Que uma dose de pirraça. 
Não combate o mal d'amor» 



lld 



CANTOS 



Se 08 remorsos do peccado 
Lhe dizem a contricção. 
Que yá elle á confissSLo 
Que anda mal encaminhado. 



Diz o mundo que o doutor 
Que aconselhou a doente... 
E porque julga innocente 
Servir-lhe de confessor. 



CAUTOS lii 



A bulhIo pato e f. palha 



Um dos médicos já foge!... 
e o outro não tarda^ contem: 
despediu-se um d'elles hontem 
e o outro despede-se hoje!... 



Foi; nSo volta; assim m'o joral..» 
E logo o meu assistente!... 
Que tal elle acha a doente, 
que assim desiste da cura!... 



112 CAUTOS 

Deixam*ine n'este abandono, 
levam-me toda a esperança, 
com quem me diz:— Descança, 
dorme o teu ultimo sonmo!.*. — 



Cruéis!... Mulher, fraca, inerme, 
quasi me sepultam viva!!... 
Ah! se eu fosse vingativa, 
Haviam de conhecer-me... 



Sou nova e, dizem, bonita*. • 
aposto, que um deixaria, 

a sua eterna alegria, 

e o outro a própria Paquitaí 



Vinham, oh! se vinham! logo... 
demais a mais dois poetas !••• 
E ai ! das azas borboletas 
se a luz mostra o disco e o fogo! 



CAUTOS 113 



NSo quero. Podeis fogir-me, 
nSo heis de ver-me mn reflexo, 
porque, apezar do meu sexo, 
luz d'unB olhos, sou luz firme. 



FctFAWBO nATfPBfflft 



Janeiro, 16, 1872. 



CANTOS •> 115 



Á DOENTE DE BULHlO PATO 



Agora entendo. O teu mal 
Vem da falta de costume. 
Quem diz — aimor — diz — ciúme: 
É cousa rudimental. 



Tens na cabeça o defeito! 
Pois tu nSo vês que é loucura 
Chamar á causa — ventura^ 
E maldizer o effeito?! 



/ 



116 



CANTOS 



Deliras, ou és injusta. 
Amor é sempre (areança; 
Surrateiro as redes lança, 
Mas qualquer papão o assusta. 



E tu o que tens é medo; 
E' interior convuIsSo, 
Se, vendo as horas que sSo, 
EUe te deixa mais cedo. 



Medo da amiga que trazes 
Nos passeios a teu lado ; 
Medo que algum estouvado 
Lhe vá dizer — Não te caseei 



Continuo tremor te anceial 
De dia... a seismar se te ama; 
A noite... voltas na cama 
Porque quem ama nSo ceia. 



CANTOS 117 



Para tal crise o que eu penso 
Ser necessário, é que o mettas 
Numa das tuas gavetas 
Entre um mandrião e um lenço. 

Podes assim socegada 
Dobrar o rigor do fisco. 
Corres apenas um risco: 
— E que t'o bife a criada. — 



F. Palha. 



Jineiro, 17, 1872. 



"•sa^ta 



CAUTOS 119 



NA GONTALESOENÇA 



(AtadUi m, propoviCo «Ui minha dlciente) 



CARTA A F... 



A tua carta revelia 
O remorço pungitivo; 
Dizes mais morto que vivo; 
«Oh! meu Deus, como vae ella?!j» 



120 



GARTOS 



Vae melhor^ muito melhor; 
Mas índa assim quem me dera 
A entrada da primavera, 
Por que este inverno é traidor! 



Na longa convalescença 
Agora todo o cuidado: 
O corpo é tSo delicado, . 
E foi tão grave a doença! 



Vejo bem que arrependido 
Lhe vens implorar perdão; 
Mas aquelle coração 
Foi cruelmente ofiendido!.., 



NSo t'a descrevo: imagina 
O ideal do sentimento: 
Concebe em teu pensamento 
A formusura divinal... 



CAUTOS 121 



Tudo é rago: a pallidez^ 
.0 sorriso, o olhar profundo ;- 
Olhar que revelia um mundo 
Na quebrada morbidez! — 



Hontem quiz aventurar 
Uma fraze a teu respeito; 
Mas, vendo-lhe o arfar do peito. 
Não ousei continuar. 



Os lábios lhe estremeceram, 
E logo depois, tranquillas. 
Do azul d'aquella8 pupillas 
Duas lagrimas desceram! 



Eu estou que te perdoa — 
Apesar de ser immensa 
A tua insólita offensa — 
Por que aquell^alma^é tSo boal... 



HftB uma CMta... inda é cedo: 
EscTQTenão-Uie podias... 
Espera mais algana dias : 
Por agora tonho medo! 



Fererdro, 16, 1872. 



Ar JOSÉ ESTBViO 



£il-o junto de nós dormindo o somno etenio. 
Na terra emfim descança ao pé do chSo paterno. 
Ao pae que tanto amor em vida lhe yotou 
Também na sepultm-a agora se abraçon. 
Qnando àé lúmper do sol alegre o cen rebrilha^ 
Como anjo tatelar desce do empyrio a filha; 
Bate as azas gentis por entre o cyprestal^ 
E solta hymiio inspirado ao somno paternal. 



124 CAUTOS 



Qaem constante lidou, desde a mais tenra edade, 
Em prol do amor da pátria, em bem da humanidade, 
Qaando é chegada a hora e deixa a terra emfinii 
A entrada do outro mundo, encontra um seraphim! 



E quem pois o amor da pátria 
Com vehemencia egual sentiu? 
Qual o peito onde surgiu 
Mais ardente hoje esse amor? 
Quem como elle| n'um só gesto. 
Quando a turba se atropella, 
Quebra as ondas da procella, 
Resistindo ao seu Airor ? 



E se a mão da prepotência 
Procurava erguer-se altiva. 
Quem mais prompta, e quem mais viva 
Tinha sempre a inspiração ? 
Era ouvil-o, ouvir« a pátria, 
Quando exclama na anciedadé : 



CAirrOi f25 



clibeiidade; oh! liberdade!» 
Com a voz do coraçSo. 



Ah! ne exílio^ quantas vezes^ 
Afogada entre gemidos 
Murmurava aos seus ouvidos 
A voz do paiz natal ! 
E ouvindo-a sua alma^ em Ímpetos 
Do mais ardente heroismo^ 
Sonhava em transpor o abysmo 
E libertar Portugal ! 



Então a graciosa aldeia, 
O vai coberto de ullneiros, 
Os ingénuos companheiros 
De seuft jogos infantis, 
Tudo aos olhos lhe sorria, 
Matisado por mil cores, 
Montes, valles, prados, flores, 
Ceu e.luz do seu paiz ! 



116 CAVT08 

Bompe um dia aurora esfilfinãiia 
O tambor toca a idi>ate, 
No mais fero do combate 
Entra, lucta, conquistou! 
Conquista àm {Nroprios laces Uf, 
Mas do campo a&sta a vistay 
Porque emfim n'essa conquisita 
Sangue de irmfios se espalhou t 



Era assún : tinha, Inctando» 
No olhar o fogo supressão. 
Na voz o poder extremo 
Que arrebata a multidSo ; . 
Desafiando o inimigo, 
Entre a^ nur^ns da metralha, 
Era um tigre, na batalha ; 
Na victoria, era um innlio I 



Tenmna a laeta ferrida, 
Cae na bainha a espada, 



cMnoB 189 



Retoma aoe kures pladdofl 
Da terra sua amada, 
D'e8ta que berço e tumulo 
Do grande génio foi I 
Se nos assaltos beOicoe 
Distíncto era o soldado, 
AcçSes inda mais validas 
Lhe destinava o fiido; 
Desprende a voz, e a pátria 
Saúda um novo heroe ; 



Quando se abatem ânimos, 
Medindo a lucta immensa. 
Quando n^alguns espirites 
Já desfallece a crença. 
Surge imponente e mostra-lhes 
Baiar nova manhã ! 
£ porque o génio espli&ndido. 
Que a Uberdade inspira, 
É como a voz piwphetíca, 
Que outr'ora dirigii*a 



128 CAUTOS 

Do Egypto um povo mísero 
A fértil Canaan ! 



Quando, com olhos ávidos, 
Em tomo a nós medimos, 
A industria, o bem, a gloria. 
Em tudo emfim sentimos 
Que dera impulso máximo 
Seu sopro animador ! 
Não raro correm lagrimas 
De uma saudade infinda!... 
Quanto não fez!... quantissimo 
Tivera feito ainda, 
Se o não roubasse súbito 
A morte ao nosso amor! 



Dorme junto de nós, dorme teu somno eterno, 
Na terra a que votaste o santo amor fraterno. 
Ao declinar. da tarde, ao rebrilhar do sol, 
Na hora em que descante occulto rouxinol, 



GAHT08 129 

Virá também do empyrío, alegre philomela, 
A toa ingénua filha, a pomba alva e singela, 
Esvoaçar gentU por entre o cyprestal, 
Soltando hymno inspirado áo somno paternal ; 
Porque emfim quem lidou desde a mais tenra edade 
Em prol do amor da pátria, em bem da humanidade, 
Quando é chegada a hora e deixa a terra emfim, 
Á entrada do outro mundo encontra um seraphim! 

Ferereiro, 5. 1866. 



c$anoê Itl 



A HELKNA 



Uo» mano maia vem á terml«#» 
Helena^ em' sendo crescidai 
Verás mn anno da vida 
Quantos mysterios encerra ! 



Mas teu olhar infantil 
Só pôde atrever agora. 
No cea — os clarSes d'aurora— 
Na terra — as flores d'abril 1 — 



132 GAinos 

Todas as nuvens^ bem sei ! 
SSo de rosa em tua idade... 
E roxas como a saudade, 
Nos amioB a que eu cheguei ! 



ó pomba, que o lar paterno 
Convertes em paraiso. 
Dissipa com teu sorriso 
As sombras do nosso invano ! 



Boga a Deus que a humanidade 
Possa aspirar, no futuro, 
As auras de um ceu mais pura 
Apoz tanta tempestade ! 



Pedido dos lábios teus 
Pôde muito I... Os pequeninos 
Sabem segredos divinos... 
Conversam muito com Deus ! 



GAmot 



133 



E, eu, nSo tendo para dar 
Nada aos pobres n'este dia. 
Um dom de grande valia 
Por ti lhes posso o£fertar. 



Dom, nem de prata nem d'oiro ; 
Mas que por sua innocencia 
Tem mais valores na essência 
De que o mais rico thesoiro : 



A tua prece d^amor 
Darei a quantos padecem : 
Os homens pouco a conhecem : 
Mas Deus sabe-lhe o valor I 



Janeiro, 1, 1873. 



^Hl^i 



CAvros 



m 



A. AVÔ E A HSTA 



Escondeis num denso reu, 
Ó mSeSy vosso amor profhndo! 
Amor que é tudo no mundo. 
Vida e mortCi inferno e ceai! 



Ha dias que eu vi alguém 
Em transes d^ai^stia infinda: 
Era mSe... — tm mais ainda— 
Era duas veees mãe ! 



1S6 CANTOS 

« 

No rosto a neta gentil 
Tinlia as rosas florescentes; 
E nos olhos innocentes 
Os esplendores d'abril. 



Soltava— e com que alegria! 
Os seus modilhoB suaves. 
Canta a infância como as aves, 
E bate as azas um dia! 



Em se acabando os encantos 
Da creança — o lar paterno 
E como o bosque no inverno: 
Nâo tem verdura nem cantos. 



Uma tarde — era sol posto — 
Queixou-se a graciosa infante* 
Tinha a pupila brilhante, 
E mais viva a cor do rosto. 




cuirros 131 



A febre crescen co'a aurora^ 
E já, num tremor conTulso, 
A avó, tentando-lhe o pulso, 
Besava a Nossa Senhora! 



Co'a febre veiu o delírio: 
As contracçSes, de repente — 
E aquelle botSo nascente 
Fez-se roxo como um lyrio. 



> % • 



As creancinhas de Deus, 
Estas rosas sem espinho, 
VSo-se como um passarinho; 
Num ai nos dizem adeus! 



Em dor sobre-humana absorta 

A avó dizia, coitada: 

— cMeu Dens, i^o ha de ser nada!» 

£ a netinha estava morta ! 
10 



138 



CAUTOS 



As mSes que pensem n^est^hora, 
— Porqtie a palavra o nioàiz, — 
Ka angustia que essa infelis 
Estará sentindo agora! 



Deus conserve a flor ao pradoí* 
Enihusiasmo á juventnde|— • 
Ao ooraçSo a virtude,— 
Á mãe o filho adorado I 

Dezembro, t5, 1871. 




os NOIVOS 



A D. M. A. VAZ DE CARVALHO 



HoraAOi io au nBKano ruBm 



GASTOS 111 



OS NOIVOS 



«Se passares pelo adro, 
^0 dia do mea enterro, 
Pede á terra qae nto gaste 
Âs tranças do men cabello.» 
Canção Popular. 



A aldeia é de pescadores. 
Por essas costas do mar, 
QuandQ as tormentas começam, 
Aqnillo é que é labutar ! 



-J»* *.*'vm." 



Àa vezes um mez a fio, 
,0 vento sem acalm&r, 
E os TagalhSea dia e noite 
Nas rochas a rebentar ! 



Algum remédio, e bem pouco, 
Que tanto custa a juntar, 
Pois basta um ^nez de invernia, 
Nem tanto, para o levar 1 



Que vida a da pobre gente, 
Quando começa a luctar 
O vento bravo co'aB ondas, 
For essas costas do mar t 



CAIROS lis 



II 



Ha quatro caaas e a ermida 
De pedra e cal, o demais 
Choças de colmo que ás veasea 
Destroem os vendavaes* 



Mas quando chega o bom tempo, 
E a pesca nSo escaoeiai 
Respira toda-alegríai 
Apesar de pobroi a aldeia» 



Daniel é moço e forte ; 
Ninguém com elle compete, 
Já no saber, já no arrojo 
Com que a todo o mar se mette ! 



Vê-se uma negra de peixa - 
As "vezes mal se i«m visto : 
Lá vae co'a sua companha 
Por esses mares de Christo. 



Tem fé co'a Virgem do Amparo, 
E alguém diz qne a devoçSo 
£' por ser Amparo o nome 
De certa rosa em botUo. 



D'entre as demais raparigas 
Só ella nSo é trigueira, 
Também não se expõe ao tempo, 
Trabalha como rendeira. 



Lidar de noite e de dia, 
Com tanto afSnco, é bem rafO l 
Esteio da mãe velhinha, 
Bem posto o nome de Amparo ' 



GAHTOfl 145 



Daniel, n'aquella aldeia 
Onde o viver é tão paioOi 
Já tem^ um barco, e tem redes, 
Quo valem mais do que o barco* 



m 



 mutua affeiçSo dos dois, 
Que era na infância amisade, 
Tomou-se em amor, depois 
Que entraram em certa idade. 



Elle quiz-se declarar, 
E com voz entrecortada, 
A custo poude fallar : 
Ella é que nSo disse nada ! 



.irij./ll_ 



tl6 CAKTOS 



Sentindo agitado o seio, 
NSo raro diz a innocencia, 
Gom a mudez do receio^ 
Bem mais que a voz da eloquência ! 



Que importa o que os lábios calam, 
Quando as palavras se prendem? 
Também as flores nSo faliam, 
E pelo aroma se entendem ! 



£' que esse aroma, imagino 
Que será, talvez, na flor 
O mesmo effluvio divino 
A que chamamos amor ! 



CAUTOS U7 



IV 



Amparo tínha no rosto 
Uma expressSo de ternura, 
Que lhe dava mais encantos 
Do que a própria formosura ! 



Os olhos azues purissimos, 
E de transparência tal, 
Que deixavam ler no fundo 
Da sua alma virginal ! 



O cabello loiro-escuro, 
TSo basto, tSo annelado, 
Que era um primor, posto em tranças, 
£ mn enlevo, desatado ! 



Ii8 .GAirros 



No tempo em que era ereança, 
E de génio folgasSo^ 
Com as outras raparigas, 
Pelas tardes de verSO; 



Andava a brincar na praia, 
E a espreitar de quando em quando : 
Os hombros nds, mais que os hombros.., 
Emfim, co'as ondas folgando. 



N'isto vinham os rapazes 
Mas o cabello era tanto. 
Que sacudia a cabeça, 
E servia-lhe de manto ! 



Ao amado da sua alma 
Deu ella um dia, em secreto. 
Um annel d'esses cabellos. 
Penhor de sagrado affecto ! 



CAKT08 149 



E elle, cheio de alvoroço^ 
Sem hesitar um momento, 
Para pagar-lhe a fineza, 
Foi pedil-a em casamento. 



Fundíam-se aquellas ahnas 
Em celestiaes alegrias: 
Ha dias do ceu na terra ! 
Eu creio que ha dWes dias ! 



Uma tarde, era nas vésperas 
De se fazerem as bodas, 
Os pescadores na costa 
Largavam as redes todas. 



150 GAXTOS 

o ceu estava sereno ; 
Era propicia a estação : 
Logo em entradas de outono, 
Dias como de YerXo* 



Porém o vento levanta-sei 
E quando menos se espera. 
Seja verSo, seja outono, 
Seja inverno ou primavera. 



Daniel, deixando os outros, 
Com a companha a seu cargo, 
Fez-se ao mar, largando as artes 
A duas léguas de largo* 



O peixe dava em cardumes ; 
Lidando nSo attentaram 
No aspecto de certas nuvens 
Que no ceu se agglomeraram. 



ciaioc 151 

Dentro de pouco 08 relâmpagos 
NoB ares a fozUaxp 
E o vento a picar as ondas, 
£ as ondas a rebentar ! 



Podiam correr á popa, 
Mas nSo sem todo o cuidad0| 
Que á p6pa, em caindo tempo, 
E' navegar arriscado* 



 vela posta nos rizes — 
O vendaval carregava — 
Como mn falcSo corta os ares, 
O barco as. ondas cortava I 



Amparo, sobre um penhasco. 
De mSos. postas a resar : 
A morte no arfar do seio, 
Anciãs de morte no oQuur» 



1» 



GASTOS 



Elles já perto da costa, 
E o povo junto a dizer : 
cSe o barco vem aos cachopos 
Só Deus lhes pode valer!» 



Tentaram fazer-se ao largo, 
Lactando co'a morte a braços ; 
Mas deram sobre os rochedos, 
E o barco fez-se em pedaços ! 



Salvou-se toda a companha. 
Daniel inda se ouviu 
Bradar: — cÓ Virgem do Ampaxol» 
E nisto nSo mais se viu... 



A noiva soltara um grito ; 
Mas quem lhe fôra acudir, 
Vira-lhe o roato sereno, 
E até a bocca a sorrir! 



CAvros 155 



Âquelle grito estalara-Ihe 
» fibras do coraçSo^ 
E a infeliz, nesse momento, 
Tinha perdido a razSo ! 



VI 



Passados dias, Amparo 
Puiha-se á beira do mar, 
A olhar — como quem espera 
Por alguém que hade voltar ! 



E os que passavam ouvíam-lhe, 

Sem que ella desse por tal, 

Repetir estas palavras 

D'uma tristeasa mortal : 
11 



154 GAMT08 



cDevôm cumprir-se ob pedidos 
D'aquelles que vão morf er ; 
Uma BÓ coisa te peço, — 
Mas que tu me has de fazer : 



«Se passares pelo adro. 
No dia do meu enterro, 
Pede á terra que não gaste 
As tranças do meu cabello.» 



E depois, soltando as tranças 
A larga brisa do mar, 
Repetia inda estes versos, 
E desatava a chorar ! 



Janeiro^lSTl. 



SATYRAS 



-^ á 



llffllW ^ _ . 



YiftuUm videatU intabescant que relieta ! 

A* PlBQSio. Sattra m. 




VICTOR HUGO NO CALVÁRIO 



Un homme de génie appantt II est doux, 
U est fort, il est grand; ti. est atile á tons. 

Ou le slffle. Si c^est nn poete, 11 enlend 
Ge chorar: Àbsurdel JEáâzl monstraeazi réTOltaoU 
Lni, cependant, tandis qa'on bave sor sa palme» 
Deboat, les bras croisés» ie front leve, ToBit calme^ 
II Contemple, serein, Tidéai et le beaaf 

V. EvQio^ConiemplafÕes, 



Á vante, um passo mais, — ^já foi apedrejado t 
A craz virá depois : é bem crucificado. 
O dragSo da virtude afoga a liberdade. 
Vamos, o eiuejo é bom; homens da humanidade, 



160 SATnus 

Que futuro nSo ri is vosbeb ambiçSes ! I 
Pafisada a ferro fiio a escoria das naçSes : 
Boma escrava outra vez : a França realista : 
O império na ÂUenumha em nome da conquista : 
Em derredor do soIio a esplendida nobresa : 
A canalha no pó : a classe da riqueza 
A esmagar com o pé a esquálida miseriai 
Entregando o poder nas mSos da gente séria ! 



Já um dia em Paris a honrada burguezia 
Fratemisou também co'a santa clerezia. 
Protegeu a matança, e depois d'es8e horror 
Assentou sobre o throno um certo imperador* 
Veio a paz, engordou — embora amordaçada, — 
O clero a dominar a plebe fascinada; 
Nos campos a nudez, nas cortes a opulência; 
Os excessos do luxo a darem na demência; 
Censura ao pensador, licença ao imbecil, 
Áo zombeteiro estulto, ao escríptor mais vil. 
Que succedeu depois? — o tronco derrancado 
O fructo qúe produz é fracto desgraçado. 



V- 






MTTBAS 161 

O direito era a ferça, e jnlgando-a tamanha 
Cláudio ousou provocar os brios da Allemanha. 
O clero abençoava o protector de Boma: 
Bugia o seu leSo e sacudia a coma. 
De repente a panthera atira-se ao leão, 
Mas encontra na garra um César charlatão. 



No entanto, similhante ao pastor de Virgílio, 
A tudo isto acudia o poeta do exilio. 
Os Caatigoê agora, e logo os Miseráveis: 
Dois livros immoraes, absurdos, detestáveis : 
Um punia um tyranno, outro exaltava os justos ; 
Mas quem pôde tocar na fama dos Augustos ? 



Desfructava Paris completa liberdade ; 
Excepto a de fallar em bem da humanidade ! 
O resto tudo o mais! — Ninive d'outros dias 
Na insânia do impudor nSo teve mais orgias^! 
Engrossava, porém, a bolsa ao capital 
Que via no governo as glorias do ideal ! 



A fVaaça era PariB 1 a torpe agiotagem 
Quanto era aspiraçSo snmia na Toragem ! 

De quando em qaando, ao longe, a voz do génio oii 
Avançar uma idéa; o déspota açulava 
A caterva aerril dos seus aduladores 
£ o canino rancor dos baixos escríptorea 
Uivando a remorder no grande pensador 1 
A plebe cortezS, em volta do senhor, 
Começava a sorrir do velho decadente, 
Dizendo com desdém; «Coitado, está demente 

A demência é pairar acima do vulgar ! 
Onde a inveja nSo vae ninguém pôde chegar. 
Quando recresce a luz do dia maia brilhante 
Ousam cravar no eol a vista penetrante 
Ab agaia« da montanha, emquanto se deslumi 
A pupila do mocLo em face da pemmíbra I 

Koctumoa animaes, como que viveis na son 
Obello, o grande, o bom, voa morde evos aason 



8ATTRA8 1$S 



NSo BOOUy inda nSo, essliora míllenaría 
Que TOS ha de acabar; mas a fortuna é varia — 
Caducos do passado — e já começa a abrir 
O sol que ha de imiundar os dias do porvir ! 



No teu^retirOy ó genio; escuta com piedade 
O volgacho a mofar da tua heroicidade ! 
Foste bem lapidado — escrevedor infame 
Do Hemaniy Marion, Ruj-BIas, e Notre-Dame ! ! 

« 

Jnnho, 20, 1871. 



■N 



SATTIAS 16$ 



▲ VELHICE DO SEOULO 



/ « 



A» lll.B« • es.»* «r. TlM«B4e die CmiIIUi» 



Ruit coBlum 
Virg. 



O século envelhece ! Após os roxos lumes 
De auroras juvenis^ que avivam os perfumes 
De flores que amanha nas liastes murcharão, 
A lu2 Occidental esvae-se na amplidSo 
Dos véus horizontaesy nas trevas abatidos ! 
Por toda a parte alem se escutam os latidos 



ttHl SATYBAS 

D'es8a matillia infame, inniimera e brutal. 
Que o olor dãs podridões, que o Espirito do Mal 
Convoca ao pasto immundo, ao lúgubre conforto, 
Em tomo do que morre, ou do que está já morto! 
Já no escuro do chSio serpeia o verme vil 
Que nas brumas do inverno encontra o pleno abril ! 
E através do ouropel, que a vista ainda affitga, 
Mas no âmago do qual verdeja Ainda chaga, 
A gangrena, atacando almas e coraçSes, 
Corrompe o leite em fel no seio das naçSes ! 



O século envelhece ! e que velhice pobre 
De misérias sem fim as cans por hi lhe cobre! 
Esse mar de paixões em que elle bóia á flor ; 
O goso do prazer levado até á dor ; 
A dôr, que é sempre cruz, violentada em risos ; 
Esse artificio todo em qúe saccode os guisos 
O corpo social, qual pallido histrião 
Que, quando aluga o braço, aluga o coração ; 
Toda essa hypocrisia; esse trabalho todo 
Com que se dcHra em luz o^que por dentro é lodo 



BàTTBAt I6V 

O que na idéa pSe, sem visionário véu. 
Os sonhos de Jacob ante os degraus do céa; 
Todas as tentaçSes de todas as serpentes ; 
Todo esse marulhar dos peitos e das mentes 
Em tomo do que chora e em volta do que ri. 
Arrastam para a tumba — aberta já de ali 
Em presepe infantil de algomas novas eras — 
Este século vSo^ que, em suas primaveras. 
Julgava, Atlante audaz, sobre o costado ei^goer 
O mundo á perfeiçSo de algum eterno Ser, 
E que hoje estonteado, asthmatico e tolhido, 
O olho fechado á luz, ao som fechado o ouvido. 
Qual, como ao desfazer de torpe babchanal, 
O ebrío passa da mesa ao leito do hospital, 
Com o trôpego pé e o dedo mal i^eguro 
Bate cambaleando ás portas do Futuro t 



A lingua pervertida affironta a idéa, e traz 
Esmagada a rasSo e espavorida a paz ! 
O rotulo quer ser a lei da humaiddade t 
Sabeis o que se chama a flôr da Hberdade ? 



169 8ATTEAS 

Tmge-lli<B a c6r do sangue o lemma que orgue á luz^ 
£ na dextra crepita, á beira em taça a flux, 
O espumante licor de alguma orgia immensa. 
A coma, erguida ao vento, açoita em nuvem densa 
O peito chato e nú da estéril cortezã, 
Onde nunca, entre riso e angelical affiin, 
Poz a maternidade um fio eò de leite ! 
Que, aj^nas, se humedece em horas em que deite. 
Da amphora de qualquer diabólico festim, 
A mSo, tremula já, qualquer licor emfim 
^ Que em ondas difundido, e em titubante enleio, 
Cae do cristal no lábio, e cae, de ali, no seio ! 



Pobre democracia ! Anjo immortal do Bem ! 
Que, outr'ora, pelo azul libraste a aza, além 
Ao esplendido darSo das redempçSes humanas, 
Que turba hoje nas mãos te mette as verdes cannas 
De uma irrisSo atroz ? e que hórrido tropel 
De mil centuriSes te chega á bocca o fel 
Na ponta de metal que já rasgou teu peito ? 
Que torva cerraçSo? Que temporal desfeito \ 



SATfftAS 169 

Ta ▼«m de treras só, d'ei^i]]iiiui alagar? 
Em volta de ti ruge o tormentoeo mar 
£m qae, no revolver do pélago infinitOi 
Cada marulho é braço e cada vaga um grito I 
Mar de aonhos ruiiiB ; de impetoe pela fé 
N'imi porrir que se esvae, se ae lhe ch^a ao pé ! 
De miseriasy que o sSo^ e de afficçSes m^itidaa ! 
l)e chispas sem calor ! De invfgas mal soffií daa I 
De dôr accumulada á flôr do ooraçSo t 
D'e8piritos sem luz ! D'estomag08 sem pSo ! 
Ooeano onde, o que ai^ira ao que no oiro se come, 

ê 

Se aproveita da mXo de tudo o que tem fome I 
C onde o génio infernal das anniquilaçSes, 
Se o pomo appetecido esmagam os toiSeS; 
•Saturno, que a alma traz no gume dos colmilho0| 
Á falta de manjar, devora os próprios filhos I 



Quem quer que sejas tu, do mundo antiga 1«, 
Acaso ou providencia ! em frente á qual nSo sei^ 
fim miidui pequenez, mais que baixar a fronte, 
Sem poder devassar os pincaros do monte 



12 



170 8A1TRA8 

Onde nSo chega o vôo em que andam, rez do chSo^ 

Sustidas pelo Facto as azas da BazSo ! 

Tu, do progresso ó lei ! que sempre tens lerado, 

A caminho do sol, o mundo equilibrado 

No arco, sempre em labor, da fulgida spiral ! 

Águia aqui, mariposa além, mas a final 

De ti sempre deitando, ou águia ou mariposa, 

Sulcos de luz no ar e beijos sobre a rosa ! 

Ampara com teu bri^ a mórbida cerviz 

D^essa multidão rude, em rudes alcantis 

De olhos fitos no abysmo e de hálito arquejante, 

Goleando na fraga e na urze a cada instante, 

Norte ao porvir, porém, que, qual mulher de Loth^ 

Julga ver adeante e vê para atraz só ! 



Depressa que, senão, morre, em suicidio novo, 
O porvir popular ás próprias mãos do povo ! 



Volve-se o olho, cançado em tanta embriague. 
Mas não muda conjt elle o que mudar o fez 1 



■■i 



SATYRAS 171 

Além no polo opposto aos dentes com que mordem 
Os appetites maus da plebe, as garras da ordem, 
(Ou do que rouba o nome e as azas de oiro e aoul 
D'esse anjo tutelar, em mascaras ás mil) 
Rasgam com íuria igual, e igual tenacidade, 
Sempre o outro flanco nú da enferma sociedade } 
Pois a ordem, Amalthea ubérrima, anjo bom 
CuJQ. regaço é berço, onde se emballa ao som 
Da encarnação da idéa em forja, ou penna, ou malha^ 
O futuro inda em flor de tudo o que trabalha ! 
Orbita sideral, traçada em pleno azul. 
Onde gravita a paz, sol que, de norte a sul, 
Traz no raio a explosão da vida inda latente 
£m que dormita o fructo ao cabo da semente. 
Que espargida no solo, ou seja idéa ou grão, 
Floreja em liberdade, ou fructifica em pão ! 
Pois essa ordem, que é mãe, palavra que diz tudo: 
Ventre que gera, mão que ampara, lábio mudo 
Para a condemnação, mas que fallou de amor, 
Poderá nunca ser o estúpido lictor. 
Que só pensa na vara equilibrar o mundo ? 



172 SATYRAS 

Enganas-tO; lictor; no calculo profiondo ! 
O povo já cresceu ! Já longe o tempo vae 
1^ que, debíl creança; além tropeça e cae 
Se do estabulo á porta^ apavorando-o, assoma 
O vulto consular de algum corcel de Roma ! 
E quando o povo crescO; esplendida maré^ 
É o corcel quem cae, ficando o povo em pé ! 

Para que, pois, em vez do amor e do conselho; 
Da concessão, reparo; e em vez do exemplo, espelliO; 
O aguazil e o algoz, uivando em plena paz, 
Matilha de chacaes, no rasto e sempre atraz 
Do intangivel brandão de alguma idéa extrema? 
Ou quando a guerra escreve, ém lúgubre poema, 
As rimas infemaes da bomba e do canhSto, 
A baila do arcabuz lançando ao pó do chSo, 
— Cobarde disonancia em metro tão altivo — 
O aberto coração de quem, tomado vivo 
E morto assim depois, á cova leva em si 
O adubo necessário a novo phrenesi ? 
Para quê, se o carrasco, ao cabo da epopéa, 
Pôde o molde quebrar mas não fundir a Idéa? ! 



SATYRAfl 173 

Ordeniy que és voz do ceu ! Como reflectirás, 
Tu; que és sempre a harmonia ! a voz de Satanaz 
Na lingua de metal de algum bezerro de oiro ? 
Como reflectirás, harmónico thesoiro, 
No dulcissimo tom do célico clarim, 
O latir da facção, do rábido mastim, 
E os ais do egoismo vil, da assustadiça lebre 
Que se requeima na anciã e no calor da febre 
Se o medo de uma folha algum rumor subtil 
Multiplica em trovão nos echos do covil? 



Como reflectirás (sacrílegos esgares!) 
O rumor com que o esbirro, á sombra dos altareç, 
Pretende encoronhar o cano do arcabuz 
No lenho, todo amor, da luminosa cruz? 



A pergunta é bem triste, e tristes as respost^^, 
Mas silencio, anjo bom ! basta que, de mSos postas. 
Voltando a espádua ao mundo e da calumnia aos rcuí. 
Silenciosa aponta as orbitas dos céus ! 



174 SATYRAS 



II 



O século envelhece! E quando de soslaio, 
O velho, que foi sol, mas que do ceu baixou, 
Não pôde, nem sequer á luz de oblicjuo raio. 
Agigantar em sombra o que inda em pé ficou; 



Quando as neves das cans, pendendo em fronte curva, 
Cratera, que abateu, de rúbido vulcão. 
Descem a arrefecer, em gotas de agua turva, 
O logar onde foi o que era coraçSo; 



Essa velhice assim, em vez de flamma ardente, 
E cinza ! E a cinza pôde, em duvida fatal, 
Tanto adubar do Bem a provida semente, 
Como a negra raiz de alguma flor do Mal ! 



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SATTRAS 175 



Qual é pois o embrySo da planta por que espera 
O sulco aberto já^ caminlio do que fôr ? 
£ onde insciente bs forças retempera 
JOeum torrão que nem sabe o que é semente ou flÔr? 



Bracejará nò espaço o tronco da oliveira? 
Será rubra papoila o que reflorirá ? 
É bálsamo ou veneno o que da enorme leira 
A mão da humanidade appropinqua já ? 



Como sabel-o, ó Deus! Se nem sequer o sabe 
Quem^ do trabalho, ao cabo, o fructo lhe colher! 
Se nSo se pôde ouvir, sem que o grangeio acabe. 
Se soluça imia dôr, ou canta algum prazer ! 



Como? Se sob os reis, além, nas cumiadas. 
Os thronos a tremer começam por si só, 
Sem que se saiba d'onde irrompem as lufadas 
Que moem sceptros de oiro em vagabundo pó ! ? 



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176 SATyxAS 

Se, em coUo roto e nú de estatuas já sem cuUos^ 
Aninlia a ave noctoma em velha eathedral, 
Sem que os oUios no escuro enxerguem bem os tuUo» 
Que apagam, revoando, a alampada final? ! 



Se a lei, por toda a parte, enlaça, peito a peito^ 
Os braços com a força, em duvidoso arcar ; 
£ a Liberdade, triste, encosta a fronte ao leito^ 
Onde a Chimera asada o sonbo popular ! ? 



C<»no ? Se tudo é mar de nebulosas scenas ! ? 
Se nas brumas até da immensa cerração. 
Já no occidente, o sol, como que esboça apenaa 
A cutva sideral de uma interrogação ? ! 



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SATYIUS 177 



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Triste interrogaçSo ! Pergunta a que^ em demeaciíi, 
Pôde a voz responder^ mas não a consciência ! 
Como avC; que um tufSo levou de noite ao mar, 
Absorta yendo ali, já trôpego o Toar, 
Que, se procura a balsa, acha agua só; e armiiibo 
De alvas espumas só, quando procura o ninho \ 
Em plano que se abate, em nó que se contrae, 
Desce, desce, a aza em anciã, até que tonta vae. 
Molhando na agua a penna, al£m cair nas «guaa, 
Assim o homem, perdido em barathro de maguas, 
Naufraga de cançaço ao cabo do labor 
Com que busca no que é o arcano do que for, 
E em roda um mar immenso, erguido em móbil serra, 
Nem dá pelo cair d'esse átomo da terra ! 

Século dezenove ! Acaba de morrer ! 
Tua velhice é má ! Depressa ! Que o nascer 



•178 SATYRAS • 

Da Phénix só de cinza em meio se elabora ! 
£ se d'essa ave^ além; nos pórticos da aurora^ 
Tem de resplandecer o redivivo azul, 
QuO; qual fátuo clarão sobre lethal paul, 
Tua chamma sinistra, em rápida modorra. 
Suba, desça, vaciUe, e relampeje e morra ! 



E quem sabe? Talvez que no átrio do que vem 
Já balbucie em berço algum vindouro bem ? ' 
Quem sabe se esta dôr em que estremece o mundo; 
Esta vaga anciedade; este roer immundo 
De um cancro social na fibra das naç5es, 
NSo são presagio e alvor de novas redempçSes? 
Quem sabe se esta morte é necessária á vida, 
Como o negrume e o raio, em pavorosa lida. 
As elaborações da gota pluvial? 
Quem sabe se no throno a purpura real. 
Haurindo uma lição do pó que a envolve em rolos, 
Se enrolará depois em ninho de consolos 
Sob o paterno olhar de desvendados reis? 
Ou se o throno tiver, em lúgubres parceis. 



sAM^-âSM 



SATYRAS 179 

De expiar no gemer das tábuas descosidas 

As velhas tradiçSeS; em que andam confundidas 

Nos crimes de Saul as glorias de Israel ; 

Quem sabe se depois^ já mansa^ de cruel^ 

£ de materno amor preza em mimosos nastros^ 

A^ loba popular que hoje uiva em frente aos astros 

Que inda luzem no ceu — mas que^ incessante^ roe 

O attricto do que rasga e o pranto do que doe — 

Conchegará; piedosa, ao peito intumecido 

Em leite purO; o lábio inda recem-nascido 

De nova sociedade ? E se, do fundo algar, 

Onde a fera nutrir o infante popular, 

Banhando o mundo em luz, de ali surgir-nos hade 

A mio de productiva e santa liberdade ! ? 



Ora em luz, ora em véus, tem dò progresso a lei 
'Sido constante sol á numerosa grei, 
De extinctas gerações ! Pois sonhe ao menos a alma 
Que, por detraz da névoa e em protectora calma, 
Aquelle velho amigo, esplende sobre nós ! 
E se elle alguma vez tiver de entrar nas mós 



1$0 8ATYIU8 

Do cahos, do factor de uuiversaes minas, * 
Espere^ios que, 4 luz daa pálpebras diviíi^^ 
Ao menos esse sei, quando cair do ceu 
No servedouro atroz do immenso maasoleUi 
Espl^<H'08o pó de 9ider9jes proç^IlaP; 
Se pajrtiir^ no Ubymo em pallidas estrellas ! 

Abril, 1871. 

Cláudio José KriíES* 



^^j^HÊmaammitmmÊmm^^^M 



8ATYRAS 181 



A VISLBÚE DO SE0IJL07I... 



A Clavdto S%mé Mum 



NSo envelhece^ nSo ! — Poeta^ pára e pensa ! 
Tem no peito a velhice o vivo ardor da crença. 
No braço juvenil poder de destruir 
D'um só golpe o passado e crear o porvir? ! 
Onde tu vês a noite a caminhar agora 
Contemplo o despontar d'uma punicea aurora ; 
Onde um sectão vão apenas descortinas. 
Vejo a luz immortal de inspiraçSes divinas : 
Vejo um século audaz, SansSo que, em pleno dia, 
Abraçando a columna^ .abate a tyrannia ! 



182 SATYRAS 

Que importa o referver da espuma das paixões ? 
Em vindo o furacão também os vagalhSes 
Tem a espuma ao de cima, a vasa, o lodo vil. 
Enturvada a corrente a vista mais subtil 
Que pôde descobrir?... mas cesse a tempestade, 
E serenado o mar, — responde-me a verdade : 
Aquelle que abysmar no pego o olhar profimdo, 
Não verá branquejar as pérolas no fimdo? 
«Ébrio passa da mesa ao leito do hospital» 
De tal modo apodaste o século actual ! 
Porque ? porque em seu curso aflfronta o cesarismo 
Procurando extinguir os crimes d' esse abysmo 
Corrompido e fatal, que fez da altiva Eoma 
A baixa certeza, tão vil como Sodoma ! 



Em meio d'este horror que exige o povo agora? 
Ao passado diz : «Basta ! Ha muito que devora 
A classe do trabalho a sede, a fome, a peste, 
Em quanto o capital de pompas se reveste, 
Exulta no esplendor das salas deslumbrantes, 
Adormece feliz nos braços das amantes, 



8ATYRAS 183 

Embríaga-se á mesa, e rí-se com desdém 
D'aquelle8 que nem pão sequer ao menos tem ! 
E nós da aurora á noite embalde transudamos ! 
Ao cabo do caminho apenas encontramos, 
Exbauridos de força, o leito do hospital, 
E algum descanço, emfim, na valia sepulchral !» 



O século que faz? — á nédia burguezia 
O que eUa fez também á flôr da fidaJguia, 
Quando teve nas mãos poder de a debellar. 
Pede contas. Então, que tem de singular? 



Os direitos feudaes, o dizimo, as commendas, 
A pingue conezia, as óptimas prebendas. 
Tudo era regular, e vinha do passado 
Por direito de herança — apenas contestado 
Por um bando soez de certos jacobinos 
Maltrapilhos, vilãos, covardes, assassinos. 
Que ousarem propagar, por entre o vitupério, 
O que Jesus pregou no tempo de Tibério; 



184 8ATTRAS 



E nos deram a nós^ os homens d'hoje em dia - 
Escravos de outro tempo — a carta d^alforría ! 



O sangue ! Ousa fallar em sangue derramado. 
Talvez, o imperador ha mezes coroado ! 
Ahna quasi infantil, ingénua, affectuosa, 
Ergue os olhos ao ceu e participa á esposa : 



a Cem mil homens no pó, varridos da metralha. 
O sangue foi um mar no campo da batalha ! 
Louvemos o Senhor f ! -=— A Providencia quiz 
Que eu fosse imperador e tu imperatriz h 

E Deus exclama então: — «Mandei ao mundo Christo 
Pára egualar irmãos, e os grandes fazem isto ! 
Não o tomo a mandar. No povo ha consciência ; 
Em julgando que é tempo esmague a prepotência, t 

Quando a avalanche cae do pincaro da serra 
E se fimde no valle, a cheia alaga a terra. 



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SATYRAS . 18S 

Então apavorado o espirito mais forte 
SuppSe que é tudo horror^ devastação e morte ! 
No curso impetuoso a túrbida caudal, 
Ab jsmando a campina, ameaça o casal ; 
Mas; quando ella passar, verão como deixou 
Nadando ha abundância a terra que alagou ! 



, Espumante caudal, torrente das ideias, 

Es fecunda também como estas grandes cheias ! 



Aquella parte vil que assola boje Paris 
Em presença do império abateu a cerviz. 
Se o império voltar ha de cantar-lhe hosanas. 
E fatal condição d^s misérias humanas. 
A escoria não se liga ao melhor dos metaes ? ' 
Desde que o mundo é mundo existem homens taes» 



Tudo que é grande e bom antes que veja o dia 
Tem a noite primeiro, a bachanal, a orgias— 



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186 8ATTRA8 



A protervia do cego a traspassar na cruz 
Com o ferro da lança o lado de Jesus ! 



. Demolir é cruel. Quem pôde, n'um momento, 
Ver no* chSio, sem tremer, vetusto monumento 
Que desde a infância amou?! Mas consta que existisse 
Um grande facto, emfim, em que isto se n2o visse? 



Pois ao mundo pagão que fez o christianismo ? 
Demolir tradições, arrojal-as no abysmo ! 
A reforma que fez, e que fez a Inglaterra 
Quando quiz libertar do jugo a sua terra ? 
Demoliu o que poude, e segue a demolir, 
E mais demolirá n'um próximo porvir ! 



É forçoso dizel-o : aterra, na verdade, 
Este insano lavor da vasta humanidade ! 
Condemnada estará, por influxo do mal, 
A rolar na montanha o rochedo fatal ? I 



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bATYRAS 



187 



Oh! nSo! — Quando o saber illuminar os povos 
Então hSo de surgir os horisontes novos; 
E a ideia que hoje vês, por tantos insultada, 
Com as bênçãos de Deus será glorificada ! 

Maio, !4. 1871. 



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SATTRA8 



189 



A PROPÓSITO DO fusUiAMEnto de rossel 



Hontem em Satory três poetes levantados^ 
Três homens da communa á morte condenmados. 
Um d'elles, um heroe, votara a juventude 
Ao santo amor da pátria, ao cidto da virtude. 
Nublado estava o ceu; a aurora era sombria. 
No dia miUenario em que Jesus morria, 
Pregado sobre a cruz dó solitário monte. 
Dizem que o sol de Deus também velara afrontei 



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190 



SATYRAS 



No extremo das paixSeS; insana, fratricida; 
A escoria de Paris bramia enfdrecida. 
O incêndio, olatrocinio, a morte, o Amdo horror !••• 
Veiu a força e conteve o bando assolador : 
Metralhou sem piedade. Era o castigo urgente 
E castigo exemplar! — Punida aquella gente, 
Constitue-se na paz um certo tribunal, 
E decreta depcHS o assassinio legal ! ! 



Dezembro, 1871. 



8ATYRAS 191 



DALILA 



Que singular mulher! que extranha formosura! 
Tem tudo — o andar, o gesto, a graça da figura! 
No puríssimo azul dos olhos cristalinos 
 luz que nos transporta aos extasis divinos. 
Casando-lhe a altivez co'a timida innocencia, 
Deu-lhe ao rosto o ideal a mão da Providencia. 
O devoto dirá, vendo-a resar no templo : 
' cNSo pôde «er do mundo aquella que eu contemplo; 



192 8ÁTY1US 



Se és anjo implora a Deus o bem da humanidade!» 
Tal* assombro produz a magica beldade! 



Pois bem, esta mulher — mulher unicamente — 
Skireda, calunmia, infama a toda a gente. 
No livro de oraçSes á margem tem marcado 
O dia da entrevista, o ponto combinado. 
Uma vez escondeu, por sôr o caso instante, 
Ko berço d'uma filha as cartas d'um amante. 
Profanando, sem alma, o coração do lar, 
Profana tudo mais : . a prol, o templo, o altar ; 
Mas como entra no mundo aparatosa e rica 
Co'as virtudes da santa o mundo se edifica ! 



Um dia uma infeliz amou — a juventude 
Tanta vez se alucina e tanta vez se illude ! — 
Fundiu o coração nimi coração traidor; 
Deslumbrou-lhe a rasão um torpe embaidor; 
Do sonho acorda emfim, o veu se lhe descerra, 
Tem nos. braços um filho e mais ninguém na terra I 



SATVIUS 193 



o mundo que applàudiu as galas deslumbrantes, 
Da pérfida ao marido e pérfida aos amantes, 
Co'a implacável moral que inflama a gente seria 
Desampara a infeliz prostrada na miséria ! 



Bemdicto seja Deus! — os que mais fazem d'isto 
Andam sempre a invocar teu santo nome, ó Chrísto ! I 

Âluril, 16, 1872. 



8ATTRAS 195 



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O SAPO LEGISLADOR 



Lá yae correndo agora as ruas da cidade, 
A quatro, um titular da grande sociedade. 
Que aparatoso trem, que fardas de espavento!... 
Pasma o fútil vulgacho em face do portento!... 
Quem é? — sabem quem é : conhece-o todo o mundo: 
Um nobre, um Par do Reino, um sapo nauseabundo. 
Que á plena luz do sol, viscoso è repelente, 
Ou na praça ou na rua ennoja a toda a gente! 



196 



SATYIUS 



• Este illustre varSo^ poço de iniquidades^ 
Tem — faculta-Ihe a lei — varias immumdades. 
Pôde até legislar! — ó povo desgraçado, 
Decide-te da sorte o voto d'um forçado, 
Que, se houvesse moral, já não seria extranho 
Vêl-o co'a braga ao pé a trabalhar no banho ! 



AJbriJ, 17, 1872. 



■!"!999mBa9a>B5a9^n9V^^??9P •JUU.. 



SATYftAS 197 



▲ TIUVA £ O BURGUEZ HONESTO 



Ha mezes espirou, depois de haver luctado 
Durante a vida inteira, um pobre desgraçado. 
Deixou filho e mulher : um filho em tenra edade. 
O medico, a botica, a longa enfermidade, 
Exhauriram de todo o resto que existia 
Junto pelo trabalho e extricta economia. 

Pouco tempo depois da morte do marido, 

Quem deve^hade pagar: conforme... mas... emfim, 
Co'a pobre da viuva o caso foi assim. 



198 SATYRA8 

Dinheiro não havia; a casa quasi nua; 
Penhora n'isso mesmO; os trastes para a rua, 
 fazenda nao perde ; hade cumprir-se a lei. 

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E justo. MaS; agora, apenas lembrarei 

Aquelle recebendo e nédio negociante, 

Ulustre cidadão, politico importante. 

Que influe nas eleições, decide dos empréstimos, 

Para qualquer partido, além de vários préstimos, 

Tem, talvez dois milhões, e paga, não me engano, 

Uns duzentos mil réis de decima por anno. 

O governo bem sabe o que elle esconde ao fisco; 

Mas punir um magnate ás vezes tem seu risco. 

Quer dizer que o bemquisto e nédio cidadão, 

O typo da honradez não passa d^um ladrão, 

E como este ha cem mil, as proporções guardadas, 

As grandezas que tem são — grandezas roubadas. 

Ah ! burguezia honesta, á vossa propriedade 
As contas deitará um dia a sociedade ! 



Abril, 18, 1872. 



SATYRAS 199 



OEZAR-GATiOl 



(IBejfím ém bmiI* qvatr* ff«itl«Hi«Mto« ent Sat^ry) 



A que chegaste, ó França, após o cataclismo!... 
Âo ábysmo fatal segue mais Aindo abjsmo ! 
Ao terrível fragor da pavorosa guerra 
A paz, porém a paz com que estremece a terra! 
Sentenceia-se á morte agora um desgraçado : 
E pouco. Venham mais. Não custa demasiado. 
TTrez, seis mezes depois, procede-se á matança. 
A Santa Inquisição fazia d^isto, ó França ! 



200 SATYRA8 

Inspira Satory o horror que n^outros dias 
Inspiravam em Boma as negras Gemonias. 
Thiers deve cunhar sobre a moeda publica 
A effigie do carrasco^ em honra da republica. 
Pois quem ousa affirontar^ co^a falsa liberdade^ 
A justiça^ o direito; as leis da humanidade. 
Trepida em inscrever, para evitar enganos^ 
No estandarte sanguento o mote dos tyrannos ? ! 



Monarchista traidor, republicano int'rino ; 
Democrata de sceptro e manto cezarino ! 



Um facto singular se dá n'esse prodigio !..• 
Tem na fronte a coroa: aos pés o boné phrygio! 
Oh ! que impressão produz aquelle velho exangue^ 
A dois passos da cova e todo tinto em sangue ! ! ' 

Agosto, 1, 18TO. 



SATfKAS 201 



O LIBERAL TRANSFUaA 



Transborda a moltidSo do tem^o saorosaiito. 

Espira^ WaaànméBie, o religioso oanto. 

Crayaado attento olhar no palpito onde assoma 

Um levita-doutor que esteve ha pouco em Boina^ 

Espeittm OB fieis o verbo retumbaoite 

D^a(|aeilB' que deixou — exemplo edificante!*— 

As musas e o bigode, as crenças 'do passado, 

E tudo isto por que?«,* por eausa d'um bilrado I 
14 



902 SATYBAS 



Transftiga liberal; ousaste^ em pleno dia, 
Proclamar, applaudir, laurear a tyraimia ! 



Eu que, por tanta yez, te vi — e com que assombros!- 
Encarando o porvir, tomar a cruz aos hombros; 
Affrontar, sem tremer, co'a satyra violenta, 
Da Babylonia — Boma a sanha truculenta. 
Também te vi, depois, sair do Vaticano, 
E vir pedir perdão ao clero ultramontano ! 



Vi ! — Mysterios de Deus ! — Os homens tem de vct- 
Singular condiçSo^de seu extranho ser! — 
Por cima da cabeça o sol resplandecente, 
E enroscada a çeus pés a lúbrica serpente ! 



Âo lembrar-me de ti, ao contemplár^te agora 
Qual és n'este momento e qual tu foste otttr'ora, 
Não sei que mais me agita e punge o coraçSo, 
Se a tristeza cruel, se a justa indigna^ I 



:: 



flATYlUS 203 

Qual tu foste e qual és!!... Juntavas ao talento 
A vasta ilIustraçSo e o vivo sentim^ato 
De quanio ha grande e bom ! Em prol da humanidade 
Dispunhas do saber, da luz, da mocidade. 
Erguias sobranceiro a fronte onde se lia 
O amor da liberdade, o horror da tyrannia!... ' 
Co'a hypocrita libré do torpe jesuíta, 
Oh ! tudo isso acabou! — Sente-o minh^alma afflicta! 



Tinhas cursado o mundo, e no correr dos annos 
Levado, a cada instante, amargos desenganos ? ' 
Na ermidinha do valle ou do pendor da serra 
Procuravas a pa2, o summo bem da terra? ' 
Parando, a descançar, sobre os degraus do templo 
Sacudisses então, que era proficuo exemplo, 
Desenganado já de fátuas illusSes, 
Com o pó da sendalia o pó das ambiçSes. 



Mas rojando-te aos pés da cúria envilecida, 

s 

Proterva e rancorosa, infame e fratricida... 



Wk SàTnui 



Quanto^ emfiin, de mais baixo e negro se lelii Visto, 
Abraçaste Antonelli e renegaste a Clmsto I 



Olha, quando, sabindo ao palpito sagrado. 
Vires, sobre* um altar, um lenho raflangoentado, 
E do lenho pendente, o olhar vidrado e fixo, 
Um murtjrr salrador, um Santo Crucifixo... 



É Chrísto^Bedemptor, que, em seu amor supremo, 
Esti pedindo a Deus que te perdoe, blasphemo ! 

igdMo, 5, 1872. 



uemiàM MS 



O FRESZDISNTE DO JURT 



Sábio de bric-à-brdCy illustre pedagogo. 
Que á puerícia real ensinas desde logo 
A lisonja arrastada, a baixa hypocrísia! 
Eu conheço-te bem, santSo da freguezia: 
Lá devias cailtar, ó mutãado infame, 
Co'a tua voz de tiple em musical certame. 



Presidente venal de todos os concarsosy 
Erudito cruel, insano nos discursos. 



206 8ATTRA8 

Versejador fatal; rethorico apopletico, 
Libertino por dentro, e na apparencia ascético ; 
Recebendo mercês da mão da liberdade, 
£ mordendo<a depois nas sombras da maldade : 
Grego de contrabando, é mais o teu emprego 
Ser grego nas acçSes do que na lingua grego. 



Vaes agora saber como me custa pouco 
Desmascarar de vez na praça um farricoco. 
Como um pobre escriptor, versejador fraquitOy 
Que não sabe latimy amanha um erudito. ' 



Calumniador de Homero, ultrajador do Dante! 
Louvado seja Deus ! e fazem do pedante 
Árbitro a decidir do gosto e do talento!... 
Onde a critica exige um fino sentimento 
Do bello, do ideal, vão pôr este pancraoio, 
Estragador de Moscho e da divino Horácio ! 



. 8ATYBA8 207 

Inda ficando aqui!... emfim^ se á crassídade 
De tal entendimento a luz da probidade 
Ifandasse algum clarSo!... Mas a moral n'aqaelle) 
feorqueaintelligencia^ indàamauibahcooimpelle! 

Querem saber por que ? Um toque bastará 
-Para mostrar o fel que n'aquell'alma está. 

No dia do certame^ um moço concurrente 
FaUou sobre a Reforma. O grave presidente 
Julgou- ver no orador ideias deletérias: 
Ferveu-lhe a indignação ! Bateram-lhe as artérias ! 
Embargaram-lbe o curso a apostrophes violentas 
Do tenesmo oratório a« anciãs truculentas ! 
Um — bem pouco christSo ! — ; do jury req)eitavel, 
Afoitou-se a ter mão na scena deplorável! 
O publico apupava ás fúrias do truSo. 
O escândalo acabou? Não acabou^ verão: 

Uns minutos depois, na salla do concurso, 
O protegido entrou e fez no seu discurso, 



2M ^flA!nmi8. 

Co'a fyttíàA <x)]lvicç8o de um anbiio WBgwsOj 
A confissio geral de pantheista ípnso. 
CSeoB e teita ! o beato> o protector da .oarây 
O servo idiramontanoj oayiu aquella ngiina-*— 
Monumental blasphemíã ! ! — e conservou-se mudo?t 



Um hypocrita bom tem bojo para tudo. 



Julbo de 1872. 



8ATYE4« m 



PAQUITA NAS GARRAS DE UMA LEOA 



AsBombro feminil ! Sapho na antiguidade, 
£ mais que Jorge Sand na nosâa sociedade I 
Ouso ascender a ti — perdoa esta ousadia — 
Mas, ah ! prodigio, eu sei que me fizeste um dia 
A distincta mercê de ler um livro meu ! 
O liyro era a Paquita : a Cólera incendeu 
Por modo tal teu rosto, ó casta filha d'EYa, 
Que a sobreposta cor venceu a côr primeva! 



210 SATYBAS 

A immaral em cu:ção era o meu livro em verso : 
Ás filhas apontaste o escrevedor perverso. 
Votado desde logo á justa indignação 
De quem lê «rHomme-Femme» e toda a collecçSo 
Das obras immortaes, escríptos de um rapaz, 
Que é filho giganteu do pobre anão Dumas. 



No chispante furor da cólera felina 
O que mais te mordeu foi ser verde a heroína ! 
Capricho singular ! Querias, porventura, 
Que fosse, como tu, heroina madura ? ! 

Agosto, 18, 1872. 



SATYltAS 2lt 



ADÉLIA £ O PRETO 



Se a visse el-reí Salomão^ 
Ou se el-rei David a visse, 
Talvez nenhum resistisse 
A votar-lhe uma canção. 



Um^ no seu Canto dos Cantos, 
Outro, na Harpa Sacrosanta, 
Porque a força é tanta e tanta 
De seus mágicos encantos t... 



Os olhos azuesy brilhantes, 
Despedem clarSes da aurora, 
£ da bocca encantadorai . 
Saltam beyos delirantes! 



Como nSo ha SalomSes, 
Nem Davids por esta corte, 
Âlgims vates de má-mortê 
Fizeram-lhe nmas cançSes. 



Tempo perdido. Acudiu 
Um conde, um marquez d^ modi^j 
Emfim, essa gente toda 
Que das Arábias saiu. 



Invulnerável! Sorria 
Adélia .aos seus rpreteadiepil 
E sorrisos tBo piquagentes 
Jamais os teve a ironia* 



lAtTUAS feU 



Fiktiigaia^ d'60tá sorte. 
Com tanto brafico indigcrétoy 
Reparou Qiie um cm*to pfeto 
Também lhe £BHiia a csôrte^ 



Era uma noite de lua, 
Ey por capricho, ella quiz 
Vêr que tal era o matiz 
Da côr do preto co'a sua! 

Parece que o vivo ardor, 
D'aqueUe sopro africano, 
Tem causado um certo damno 
Ás cores d'aquella flor! 



Uma língua viperina, 
Que existe nesta cidade. 
Que ha de dizer, por maldade. 
Da seductora menina?! 



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SATTRAS 



Que é com os brancos eoquette^ 
Mas com os pretos, Adélia, 
Faz mais do que fez Ophelia 
Pelo seu priminho Hamlet! 



Al)ril-1873. 



SAraiAS 215 



OS PETROLEIROS 



* % 



Também existem cá!... Se a grande ca|>ítal 
Os viu entre o fragor da horrenda saturnal. 
Nós vêmol-os na paz ! Na paz ? — ^Na podre calmai 
Que traz o desalento ás faculdades d^ahna. 
Que apaga a inspiração das nobres ambiçSes, 
Que é prenuncio fatal da morte das naçSes! 



Depois da lacta ingente um bando de sicarioe, 
Agitando nas mSos os fachos incendiários, * 



StS SATTRAS 

AssolaTa ParÍB. A ideia creadora, 

O crástíno clarZo; luz da bemdita aurora. 

Que, apoz o cataclismo, innuiidaría a França, 

Afogada ao nascer no sangue da matança! 

O poder teve mSo no bando dos forçados: 

Sem tréguas nem quartel, depois de metralhadofif, 

Bramindo no seu antro, indá morreram mil, 

Qual morre a besta-fera achada no covil! 

O resto nas galés! 

Mas os da nossa terra, 
Petroleiros também, que fazem de outra guerra^ 
TSo cruel e mais baixa, andam sem embaraço: 
SSo serrilSes do povo ou servilSes do Paço; 
Do Paso poseo importa-OB grandes servilSe., 
£scairaidio fatal de todas as naçSes^ 
Com muito de saber e um pouco de idiotas, 
Os egi^egios yarSes chamados patriotas. 
Esses taes é que sSo a prâgs^ do paiz* 
Em face ao povo ignaro acurvam a servíz. 
Em vez de lhe apontar os erros da ignorância 
Exetlam-lhe as paixSes: iUuso, como a inEnueía, 
O povo vae seguindo a protectora mSo 



8ATYRAS 217 

Que nas trevas o arrasta e leva á perdição. 
Dizer-lhe, francamente, os vicios que elle tem, " 
Indiear-lhe o dever, mosti^ar-lhe o mal e o bem, 
Preparar-lhe o futuro, amenisar-lhe a lida, — 
Tão cruel para o povo em sua agreste vida! — 
Isso nunca jamais ! — Aiigmentam-lhe a cegueira ! 
Aproveitando o fel d'uma existência inteira. 
Votada desde o berço a vexaçSes constantes, 
Fermentam-lhe no sangue os ódios revoltantes: 
Em vez da liberdade ensinam-lhe a licença, 
E quando o povo então, na sua fúria immensa, 
Afironta as leis do justo e nega a sociedade, 
Os tribunos da plebe, em prol da humanidade, 
Retiram-lhe, na praça, a carta de alforria, 
E entregam-n-o depois nas mãos da tyrannia ! 



Os sábios de improviso, uns outros petroleiros, 

Que nós temos por cá, também são dos primeiros 

A tentar perverter as intenções mais puras. 

A cavilosa intriga é n'estas creaturas 

Elemento fatal: na fâ<^e macilenta, 
15 



218 8ATYRA8 

No olhar obliquo e mau a flux ae lhe apresenta. 
Se um nobre coraçSo^ amigo verdadeiro, 
Do8'annos juvenis fraterno companheiro, 
Aventura um conselho, exerce livremente 
A critica illustrada, — o sábio, em continente. 
Vota ás feras o auctor da ciritica i^efanda, 
E enceta nesse dia a santa propaganda. 
Que se reduz, no fundo, a di£t&mar, na sombra, 
O critico leal cujo talento o assombra! 



O sábio que ascendeu ás glorias de immortal!», 
Fallou na AffírmaçãOf no JustOf no Ideal^ 
O que affirmou aqui foi-o negar avante, — 
E affirmar e negar é seu lavor constante, — 
Inventou uma raça e varias coisas mais, 
Que assombram pelo mundo o resto dos mortaes ! 



Além de tudo é mau. Morde na fidalguia; 
Mas como precisou de entrar na sacristia, 



8ATTRAS tl9 



Onde tinha valor um certo potentado^ 
Por quem elle — o vilão — devia ser julgado, 
Sem freio na' ambição, essa baíxesa infinda 
Ârrastou-8e á nobresa... e foi mais alto ainda! 



Saber!... ó santo Deus! Saber é dciMolir, 
Ás cega», sem pensar, sem muito reflectir 
No que é mau, no que é bom ? Se demolir nos basta 
Voltemos outra vez á seita iconoclasta. 
Camartello na mão, n|to seja aproveitado 
Nem sequer um seitil da herança do passado! 
Iniquo, deletério, absurdo sobre tudo. 



Quando uma evolução, filha de longo estudo, 
Se prepara no mundo — agora se prepara! — 
Os obreiros da ideia hao de tomal-a clara, 
Âccessivel á luz de espiritos incultos : 
Que deste modo só é que se formam cultos. 



220 SATYIUS 



Rompam co'a tradicçSo, se a tradicçâó é má- 
Mas digam o por quê, mostrem o que será, — 
Procurando aclarar tudo o que hoavei* obscuro^ 
A ideia do porvir, o dogma do futuro! 



Ao ver que se desvela um bom da humanidade. 
Lidando dia e noite em busca da yerdade, 
A estulticia, a protervia, e sobre tudo a inveja 
Acode enfurecida, insólita esbraveja ! 
Não podendo luctar de cara a cara intenta 
Damnar tudo que é bom co'a baba peçonhenta. 
CoUêa como a serpe, arrasta-se no pó; 
Ao sentir-se esmagada appella para o dó; 
Estadeia na praça as mingoas da miséria; 
Fallando no trabalho e na sciencia séria, 
Nega b lavor constante, os. meios, a sciencia 
Do que fundiu no estudo os dias da existência! 



O paiz «olha e passa» ; o enxame de reptis 
Levanta-se áo pó, e impera no paiz! 



BATTllAS 221 



Emquanto aEuropa absorta encara a lucta immensa/ 
O geneaís social, parte da nossa imprensa 
£ toda. a sociedade horas aproveitadas 
Desgasta no lavor de decifrar charadas! 



Fecundo, como a luz, um pensamento audaz 
Apavora e fulmina esta profunda paz! 
O burguez julga ouvir, tranzido de terror, 
A trombeta final no verbo creador! 
O partido exaltado, o extremo, o reformista, 
Relembra, com afan, que é puro monarchista, 
E, se escapa algum rei das mãos dos assassinos, 
Com o bispo na frente, ao repicar dos íúnos, 
O radical partido entra os hiuiibraeí^ cio teiiiplf», 
E dá graças a Deus!... 

Commove-me este exemplo!! 
A eloquência espontânea, a máxima eloquência, 
Casuistas subtis tem-n-a como demência! 
Elevar as paixões, nesta baixesa humana. 
Deslustra um orador de forma q\iintiliana ! 



22? 



SATTHAS 



De rastos a moral, de rojo o pensamento ! 
Nem uma ideia só que nos excite o alento 
Das grandes ambições filhas de um nobre affecto!... 



O petróleo é melhor que este palude infecto! 



Março, 9, 1873. 



^W -P>IP - • 



SATTRAS 



2Í3 



O SSCORPlIO 



(AtUm ••• ■•ves«Bte«> 



Esperam-te as galés, se um dia houver moral; 
Neste yelho^ fidalgo^ honrado Portugal, 
Rancoroso escríptor de anonymos «pamphletos» 
.Que fundem, quando muito, uns dois ou três folhetos. 
Na jornada final, onde te aguarda o premio, 
Que o diabo tributa ás almas do seu grémio, 



224 



satyIUs 



A bagagem, descança^ escrípta em moiro e grego, 
Nâo te ha de derrtibsur as azas de morcego; 
No emtanto baba e morde: a vibora também. 
De rastos pelo chão, nunca poupou ninguém. 



Podes morder em mim; mas olha, escorpião, 
Que te esmago de vez debaixo do tacão. 



Março, 10, 1873. 



índice 



PAO. 

Advertência 5 

CAMVIMi 

A Rosa do Monte i 9 

Flor sem o sol 21 

Adesso e sempre! 23 

Coração vencido , 27 

A mãe e o filho morto ?9 

Nunca mais! 1 31 

As olheiras de Mariquinhas '. 35 

Trabalho e caridade 37 

O rei e o sapateiro 39 

Ideias vagas 47 

A perda de Alhama 49 

Epitaphio 59 

Aderaçào!: 61 

No álbum de M.°»« Fricei Baraldi 65 



L 



PAG. 

Capricho das flores 67 

Á notável escriptora D. Guiomar Torresâo 69 

Estrella cadente 71 

A M. J. de L 75 

Conselhos a uma doente 79 

Perdoa lhe ! 83 

A Bulhão Pato 87 

A minha sympathica doente . . : 91 

A doente de Bulhão Pato 95 

Á minha ingrata doente 99 

AF.Palha 103 

A Bulhão Pato '....■. 107 

A Bulhão Pato e a F. Palha Ill 

Á doente de Bulhão Pato 115 

Na convalescença .^ 119 

A José Estevão 123 

A Helena 131 

A avó e a neta 135 

Os noivos 141 

Victor Hugo no calvário 159 

A velhice do século 165 

A velhice dojseculo?! :... 181 

A propósito do fuzilamento de^Rossel 189 

Dalila 191 

O sapo legislador 195 

A viuva e o hurguez honesto 197 

Cezar-Catão! , 199 

O Hberal transfuga. : '. 201 

O presidente do jury .-s 205 

Paquita nas garras dejuma leoa '• 209 

Adélia e o preto 211 

Os petroleiros 215 

O escorpião 223 



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